Intervalo intrajornada suprimido: natureza jurídica e efeitos

(análise sobre o caput do art. 71 da CLT e seus parágrafos)

Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zornig

1. Os intervalos para repouso e alimentação

Qualquer empregado que executar suas funções por mais de seis horas contínuas, terá direito garantido a um período de intervalo, para repouso e alimentação, de no mínimo uma hora. Se o trabalho não exceder a seis horas contínuas haverá um intervalo obrigatório de quinze minutos após a quarta hora. Esses intervalos para descanso não se computam na duração do trabalho. Tais disposições estão previstas no art. 71, §§ 1.º e 2.º, da CLT.

2. Intervalos superiores ao máximo e inferiores ao mínimo

O caput do art. 71 da CLT possibilita, para jornada contínua excedente de seis horas, intervalo mínimo de uma hora e máximo de duas horas.

Os intervalos excedentes a duas horas devem ser fixados em acordo escrito ou contrato coletivo, diz a norma legal.

A expressão contrato coletivo foi substituída pelos termos convenção ou acordo coletivo (Decreto-lei n.º 229/67), dizendo Sergio Pinto Martins: “Caso o intervalo seja superior a duas horas e não exista acordo ou convenção coletiva prevendo o assunto, não haverá direito a horas extras desde que não exista trabalho no referido período. Haverá apenas infração administrativa”(1).

Entretanto, já considerou o E. TRT da 9.” Região: “Nulo o acordo para dilação do intervalo intrajornada que não fixa horário de ampliação, deixando ao arbítrio do empregador a definição deste. A nulidade se configura, ainda, quando, na prática, o período único de descanso transmuda-se em sucessivos intervalos, em desrespeito ao que preceitua o art. 71, caput, da CLT”(2).

Permite o § 3.º do art. 71 da CLT seja reduzido o limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição por ato do Ministro do Trabalho, através do implemento de duas condições: a) quando o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios (ouvida a Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho); b) quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares.

3. Intervalos intrajornadas fracionados

O artigo 71 da CLT prevê a hipótese de acordo escrito, individualmente ou coletivo, visando o elastecimento do intervalo intrajornada. Quando os sindicatos representativos firmam acordo para ampliaçãodo descanso intrajornada, até o máximo de seis horas, a interpretação a ser dada a este fato deve ser prudente, porque a lógica e o bom senso demonstram que se refere apenas a um intervalo intrajornada, e não a sucessivos.Impossível não se adotar, aqui, a interpretação teleológica, sob pena de chegar-se ao absurdo de se legitimar, por exemplo, uma jornada de trabalho em que o empregado a cada trinta minutos de labor efetivamente prestados tenha um intervalo intrajornada de uma hora, onde estaria praticamente vinte e quatro horas por dia à disposição da empresa, pois resta claro que nesta hora de “descanso”, inviável qualquer outra atividade, até mesmo o repouso.No RR 485703/98, a 1.ª Turma do C. TST, nas palavras do Min. Emmanoel Pereira, manifestou-se no sentido de que acordo entre as partes para tal fracionamento se contrapõe à regra legal do artigo 71 da CLT.

A lei, ao se utilizar a palavra “um”, fixou limites à quantidade do número de intervalo intrajornada. Nesse mesmo julgado ficou dito que “o objetivo da lei ao instituir o intervalo foi proteger o trabalhador contra a fadiga pela execução de tarefas contínuas. Trata-se, portanto, de imperativo legal referente à saúde e segurança do trabalho, inderrogável pela vontade das partes, cuja disposição em contrário só é permitida por ato do ministro do Trabalho, quando ouvida a Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho. (…) A possibilidade de se flexibilizar direitos trabalhistas mediante concessões recíprocas das partes contratantes deve ser feita com moderação e respeito às normas imperativas de saúde e segurança do trabalho”.

4. Supressão do intervalo para repouso e alimentação – conseqüências

Até a Lei n.º 8.923/94 aplicava-se a Súmula n.º 88 do C. TST, cancelada pela Res. 42/1995 – DJ 17.02.95, que dizia tratar-se de mera infração administrativa o desrespeito ao intervalo mínimo entre dois turnos de trabalho, não se olvidando, entretanto, que muitos julgados já adiantavam o que veio a se consolidar legalmente, muito depois.

Existe controvérsia quanto à forma de pagamento desse adicional: se deve ser pago isoladamente ou se deve se somar ao valor da hora normal.

Raymundo Antonio Carneiro Pinto explica o que entendemos acertado:

“Somos da opinião de que a segunda opção é a mais correta, uma vez que o legislador, ao acrescentar o § 4.º ao art. 71 da CLT, determinou que o período correspondente ao intervalo fosse remunerado com` um acréscimo mínimo de 50% sobe o valor da hora normal. O uso daquela preposição que fizemos questão destacar não foi gratuito. A norma legal, a nosso juízo, obriga o pagamento (valor da hora normal) do tempo de intervalo não concedido, acrescido do adicional, ou seja, com` o adicional”(3).

5. Natureza jurídica do pagamento decorrente da supressão do intervalo intrajornada

Não se confundem horas laboradas após as jornadas limítrofes com as devidas pela supressão do intervalo intrajornada (mesmo parcial), em virtude das previsões em dispositivos distintos no texto celetário (voltadas, as primeiras, à efetiva prestação de serviços, enquanto as segundas, à recomposição do trabalhador). Isso, entretanto, embora acarrete o pagamento como extra, não confere natureza salarial ao respectivo valor.

A cominação imposta pela ausência de intervalo ou seu gozo parcial acarreta pagamento indenizatório equivalente a valores de horas extras (estas se mostram como fator base para fixar-se a indenização). Logo, não é possível o deferimento de seus efeitos repercussivos, ante a natureza indenizatória da parcela.

Quando o § 4.º do art. 71 fala em remuneração, quer dizer “pagar sobre, com base na”, sem aludir à natureza deste pagamento.

A jurisprudência do C. TST embasa nosso pensar: RR-706.784-00. Ac. 2.ª T. In: Revista do TST. v. 68. N.º 02. abril/junho 2002. Brasília: Síntese Editora, 2002. p. 204-208.

Perante o E. TRT da 9.ª Região, duas de suas Turmas também já decidiram nesse mesmo sentido: a 1.ª, no Ac.7.169-97. Relator Juiz Tobias de Macedo Filho. DJPR 21.03.97; e a 4.ª, no Ac. 4.ª T. 185/03. Relator: Juiz Luiz Celso Napp. DJPR 24.01.03.

A E. 2.ª Turma manifesta-se contrariamente, aduzindo a natureza salarial dessa verba, conforme se infere do aresto que segue:

“INTERVALO INTRAJORNADA. TEMPO SUPRIMIDO. NATUREZA SALARIAL. Se a supressão do intervalo intrajornada, que objetiva repor as energias pelo empregado, importa, a teor do art. 71, § 4.º, da CLT, pagamento de labor extra, sua natureza jurídica, segundo entendimento da maioria da E. 2.ª Turma do E. TRT da 9.ª Região, é salarial (§ 2.º do art. 59 da CLT, que alude a “acréscimo de salário” em caso de extras)ª(4).

Como se vê, a matéria continua polêmica, não tendo sido objeto de uniformização, ainda, pelo C. TST. Parece-nos razoável concluir, entretanto, ser majoritária a corrente que preconiza pela natureza apenas indenizatória do valor pago pela irregular fruição do intervalo intrajornada. Desse modo, não gerando quaisquer repercussões em outras verbas.

Notas

(1) MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 6.ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 129.

(2) BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. RO 365/90. Relator: Juiz Ernesto Trevizan. Ac. 4.056, de 25.04.91. In: Revista do TRT da 9.ª Região Jan/jun 1991. p. 230-231.

(3) PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Enunciados do TST comentados. 6.ª ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 100.

(4) BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Intervalo intrajornada. Tempo suprimido. Natureza salarial. 00790-2001-654-09-00-4(RO-14486-2002). Mauricio Rodrigues e Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda. Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther (vencido, no particular). Ac.12.476/03. DJPR 06.06.03.

Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zornig

é juiz e assessora no TRT da 9.ª Região.

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