Íntegra do termo de audiência suspensa por causa de chinelo

Um par de chinelos de dedo abriu uma ampla polêmica no Judiciário da Comarca de Cascavel/PR. No dia 13, o juiz da 3ª Vara do Trabalho, Bento Luiz de Azambuja Moreira, cancelou uma audiência de instauração de dissídio por ter constatado que as sandálias de dedo vestiam os pés de uma das partes, o trabalhador rural Joanir Pereira.

Íntegra do termo de audiência:

Numeração única: 01468-2007-195-09-00-2

Autos RT n.º: PS-01468/2007

Reclamante: Joanir Pereira

Reclamada: Madeiras J. Bresolin Ltda.

TERMO DE AUDIÊNCIA

Aos treze dias do mês de junho de 2007, às 15:10h, na sala de audiências da 3.ª Vara do Trabalho de Cascavel, sob a direção do Juiz do Trabalho Dr. BENTO LUIZ DE AZAMBUJA MOREIRA, foram apregoados os litigantes.

Presente o(a) reclamante, acompanhado(a) de seu(sua) procurador Dr. Olímpio Marcelo Picoli (OAB/TO 3631).

Presente o(a) reclamado(a), por intermédio do preposto José Orlando Chassot Bresolin, acompanhado(a) de seu(sua) procurador Dr. Heriberto Rodrigues Teixeira (OAB/PR 16184), que junta procuração, carta de preposição e contrato social.

O Juízo deixa registrado que não irá realizar esta audiência, tendo em vista que o reclamante compareceu em Juízo trajando chinelo de dedos, calçado incompatível com a dignidade do Poder Judiciário.

Protestos do reclamante.

Em face da providência, o Juízo designa nova data para instauração do dissídio, dia 14 de agosto de 2007 às 14h30min.

Cientes as partes.

Nada mais.

Audiência encerrada às 16:10h.

E para constar, eu, Suzeli Maria Idalgo Becegato, Assistente Administrativo de Sala de Audiências, digitei a presente ata.

BENTO LUIZ DE AZAMBUJA MOREIRA. Juiz do Trabalho

Pé-de-chinelo

?O que está demonstrado no termo de audiência de Cascavel, PR, é um retrato do grau de despreparo que ostentam alguns juízes trabalhistas. Para Sua Excelência, o trabalhador de sandálias atenta contra a ?dignidade do Poder Judiciário?. Mas o Poder só é digno quando não é arbitrário e autoritário. O poder só é digno quando o ser humano que o exerce respeita um princípio ?fundante? da República que é o da dignidade da pessoa humana, que não se cinde em dignidade dos calçados dignamente e dignidade dos descalços ou calçados com sandálias de dedo. Quero lembrar alguns personagens históricos e trabalhadores que também não teriam sido dignos de pisar na 3.ª Vara do Trabalho de Cascavel:

1) Jesus Cristo, que usava sandálias, segundo o relato bíblico (Lucas, 3, 16 e Marcos, 1, 7). São João Batista teria dito que não era digno o suficiente para desatar as sandálias de Jesus. Este cidadão, a despeito de usar sandálias, contribuiu muito no sentido da evolução do conteúdo do vocábulo dignidade;

2) Francisco de Assis, que consagrou as sandálias franciscanas, símbolo de pobreza, de humildade, mas jamais de indignidade;

3) Simão, um pescador a quem Jesus Cristo, o número 1 anterior, nomeou ?Pedro? e edificou uma ?pequenina? instituição, chamada Igreja Católica;

4) Mohandas K. Gandhi, ou Mahatma (Grande Alma) Gandhi, que também usava sandálias. Em certa ocasião, enquanto Gandhi estava subindo em um trem, uma de suas sandálias caiu na vala dos trilhos. Gandhi e seus acompanhantes tentaram recuperá-la, sem êxito, uma vez que o trem já se havia posto em marcha. Ante a surpresa de todos, Gandhi com total calma descalçou sua outra sandália e a atirou igualmente aos trilhos. Perguntaram-lhe porque havia feito aquilo. Disse: ?Uma sandália sozinha não serve para nada. Nem para mim, nem para quem achar a que caiu do trem. Agora, pelo menos a pessoa pode ficar com o par completo?.

5) Agnes Gonxha Bojaxhiu, ou Madre Teresa de Calcutá, que fundou a ordem das Missionárias da Caridade, a quem se permitia apenas ter dois ?sáris? (roupões), branco e azul, um par de sandálias, um prato de esmalte, um jogo de roupa interior, uma almofada e um colchão, um balde de metal e um par de lençóis.

A Associação Brasileira da Indústria de Calçados informa que em abril de 2007 foram exportados do Brasil para o mundo 14,4 milhões de pares de calçados e que boa parte disso deve-se às sandálias que abastecerão o verão europeu. O Juiz do Trabalho de Cascavel cometeu um erro fundamental: confundiu humildade com dignidade. Privou os humildes da dignidade que lhes é intrínseca. Poderia ter lavado os pés daquele trabalhador. Preferiu expulsá-lo de lá. Não adianta termos escolas de magistratura se os juízes não aprendem traços de humanidade.? Luís Carlos Moro

Anamatra lamenta

A decisão do juiz Bento Luiz de Azambuja Moreira, titular da 3.ª Vara do Trabalho de Cascavel/PR, de suspender a audiência porque o reclamante estava trajando uma sandália de dedos foi lamentada pelo presidente da Anamatra, Cláudio Montesso. ?A decisão está em desacordo com o pensamento da maioria dos juízes do trabalho comprometidos com o exercício da cidadania e a preservação dos direitos mais elementares?, enfatizou Montesso.

O presidente da Anamatra afirma que em uma Justiça eminentemente social é preciso ter sensibilidade mais acurada no trato com as partes mais humildes. ?Não se pode considerar que a roupa do trabalhador, muitas vezes a única que possui, atenta contra a dignidade da Justiça, pois assim se esta dizendo que os mais humildes não são dignos da atenção dos juízes e que apenas os bem vestidos a merecem?, afirmou o presidente.

No entanto, para o presidente da Anamatra, a questão pode ser resolvida com o diálogo do juiz com os advogados e a comunidade de Cascavel, assegurando-se o exercício do direito por parte do trabalhador. ?Não me parece que seja o caso de se atribuir punições, mas se estabelecer conversações onde o bom senso há de prevalecer?, afirmou.

?Decisões e normas como essas apenas servem para afastar o cidadão da Justiça e desprestigiam os juízes perante a população?, finalizou Montesso.

OAB/PR repudia

A OAB/PR repudiou a atitude do juiz da 3.ª Vara do Trabalho de Cascavel, Bento Luiz de Azambuja Moreira, que adiou uma audiência porque o reclamante compareceu ao fórum calçado de chinelo de dedos. O juiz alegou que ?o calçado era incompatível com a dignidade do Poder Judiciário?. ?Num país tropical como o Brasil, uma decisão como essa no âmbito da Justiça é absurda. Um fato como esse deve entrar para os registros das aberrações jurídicas?, disse o presidente da OAB do Paraná, Alberto de Paula Machado.

Repercussão

?Meus amigos, veja a que ponto chegamos: um juiz do Trabalho da 3.ª Vara de Cascavel negou-se a realizar uma audiência sob o argumento de que o reclamante (empregado autor do processo), por estar calçando chinelo de dedos, portava-se de forma indigna diante do Poder Judiciário! É um verdadeiro despropósito… Sintoma de ?juizite crônica aguda, em fase terminal?! Em um país de descalços e descamisados, o Poder Judiciário portando-se de maneira tão preconceituosa, negando-se à prestação jurisdicional em favor dos mais pobres, é simplesmente um ultraje! Lamentável.? Allan Weston

?A só repercussão – de todo negativa – da postura equívoca e desastrosa do magistrado, que consegue estabelecer o absurdo paralelo entre as sandálias de dedo e a dignidade do Judiciário, merece apenas o silêncio. Um sepulcral silêncio, que soará tonitruante anos a fio nos seus ouvidos… Vamos esquecê-lo?? José Aranda Gabilan

?Será que, como entendeu o d. magistrado, a dignidade do Poder Judiciário estaria mesmo no chinelo?? Fatima Conceição Rubio

?Prezados senhores, a matéria sobre juiz que não soube distinguir qual sua missão, distinguir humildade de dignidade, indigno é ele para tão digna função. Isso me faz recordar um outro juiz que, em Belém/PA, suspendeu uma audiência com indígenas porque eles não estavam convenientemente vestidos para tal ato solene… Esse magistrado pagou um ?mico? internacional.? Luiz Amaral

?Absurda a decisão do ilustre magistrado trabalhista em suspender a audiência em razão do reclamante, empregado rural, estar usando chinelos de dedo. O que fere a dignidade da Justiça é a sua falta de sensibilidade e alienação em relação à condição social do jurisdicionado. Presume-se que sua valorização é pelo ter e não pelo ser. Esse juiz, na minha opinião, no mínimo deveria levar uma advertência da Corregedoria da Justiça Federal Trabalhista e também ser obrigado a freqüentar cursos de ?Direitos Humanos no Trabalho?.? Regina Aparecida Miguel

?Querido e digno Joanir Pereira, na realidade, o que é incompatível mesmo com a dignidade do Poder Judiciário, do Poder Executivo e do Poder Legislativo, é a falta de humildade, daí, é natural neste Brasil, você, como eu, termos sido vítimas da falta do devido respeito. Conforme-se, e faça uma oração pelo M.M.Juiz que se equivocou.? Zé Geraldo – O Profeta

?Ainda a respeito da atitude do magistrado de Cascavel, e aumentando a lista dos usuários históricos do calçado em questão, lembro que a estátua que simboliza a Justiça também usa sandálias.? Carlos Antônio de Oliveira

?Tão lamentável quanto o adiamento da audiência pelo M.M. Juiz por causa de um chinelo foi o ato de ‘repúdio’ manifestado pela OAB/PR sob o argumento de que vivemos num ‘país tropical’. País tropical, sr. presidente da OAB/PR? Não é possível que a OAB não tenha outro argumento para tal situação!? Zuleika Loureiro Giotto

Fonte: Migalhas.

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