Insensibilidade da elite

Para quem gosta de estatísticas e números, essa comparação é espetacular: um relatório do Serviço de Rendas Internas dos Estados Unidos garante que apenas 400 americanos super-ricos tiveram, no ano 2000, renda média de quase 174 milhões de dólares cada um, perfazendo uma renda combinada de 69 bilhões de dólares americanos. Um grande monte de dinheiro. Na África do Sul 166 milhões de pessoas – uma montanha de gente – que vivem em países como Nigéria, Senegal, Uganda e Botsuana, não ganharam, juntas, o que aqueles 400 americanos embolsaram no mesmo ano.

Mas isso é na África, dirão os leitores. Justo. É na África pobre e nos ricos Estados Unidos, onde a pobreza também existe. Mas poderia ser no Brasil ou em qualquer outro país onde há pobreza extremada e riqueza criminosa. E isso é apenas outra prova de que nosso mundo está em perigoso desequilíbrio. Neste planeta global, o primeiro mundo está por tudo, onde existem os que tudo têm, assim como o terceiro mundo, onde as pessoas nada possuem, também não é um ponto fixado apenas na África. E o Brasil, como sabemos, é campeão nessas contradições sociais.

Este é um pequeno intróito para dizer que dor de barriga não dá apenas no vizinho. Precisamos cuidar da nossa em primeiro lugar, que já a temos de bom tamanho. Diz a crônica brasiliense que depois de seis horas de reuniões, na quarta-feira que passou, líderes da base aliada do governo decidiram propor a manutenção das aposentadorias integrais aos servidores públicos no bojo do projeto de reforma da Previdência que tinha por finalidade exatamente nivelar algumas iníquas desigualdades. A iniciativa tem a aprovação do ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, e as bênçãos do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. A formulação da proposta é atribuída, principalmente, à luta do Poder Judiciário, e agora será levada também aos governadores, com quem o projeto original do governo federal tinha sido negociado.

Diz também a mesma crônica que essa foi a saída para que a base de sustentação do governo no Congresso não se esfacelasse, sensível que é -pelo menos quando convém -às “pressões populares”. A mesma porta é saída para a pressão do funcionalismo público contra o governo, na base de greves por tempo indeterminado, para as quais dificilmente o Planalto teria uma solução, dado o histórico discurso dos velhos tempos de oposição. Quem tem bastante continuará a bastante ter e tudo seguirá como d?antes no reino de Abrantes.

Única a esboçar reação até aqui, mas de forma tênue, foi a CUT – Central Única dos Trabalhadores, cujo presidente, Luiz Marinho, entende que o governo está errando ao concordar em manter a integralidade das aposentadorias. “Na verdade – disse ele – é ceder a uma pressão dos altos salários”, existentes principalmente no seio dos poderes Legislativo e Judiciário, mas encontradiço também em outros segmentos da administração pública. E arrematou, com lucidez, dizendo que precisamos de um serviço público fortalecido em sua íntegra, “e não de uma pequena casta favorecida em detrimento do restante”.

Não precisamos voltar aos Estados Unidos e à África do Sul. Poucos, aqui, conseguem vantagens sobre o silêncio das multidões de maltrapilhos que se enfileiram em favelas e assentamentos. Alargam, assim, o fosso entre os possuídos e os despossuídos sob as bênçãos de um Estado cujos agentes dão-se ao divertimento de transigir com a insensibilidade das elites para composições políticas para manter o poder pelo poder.

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