O Banco Central, dizem os comandantes de nossa política monetária, está muito preocupado com a inércia inflacionária herdada de 2002. Em outras palavras, sabe que os preços estão em disparada, mas sugere que isso tem a ver com coisas do passado. Como um carro que, para frear, precisa neutralizar a força empregada para colocá-lo em movimento. Explicando ainda mais: tudo que ainda hoje acontece é por conta da herança maldita tantas vezes referida por agentes do governo Lula.

É devido a essa inércia que as metas foram revistas. Mesmo assim, o que se prevê para um ano já foi quase atingido nos dois primeiros meses do período, considerando ainda que fevereiro, malterminado, foi mais curto que os demais meses. Na busca do remédio correto – e isso deve saber o médico Antônio Palocci Filho – é preciso, mais que lamentar a turbidez de águas passadas, verificar de que exatamente se alimenta essa inércia.

Vamos tomar um período mais longo, desde o início do Plano Real, que teve como objetivo principal debelar o dragão inflacionário e criar as bases para uma fase de desenvolvimento sustentado. Desde janeiro de 1995 até dezembro último, a inflação medida pelo IPCA acumulou exatos 100,7%, enquanto os preços livremente praticados pelo mercado ficaram abaixo dos 70%. Uma economia sob arrocho e concorrência comportou-se bem abaixo do razoável, mesmo e apesar do aumento da carga tributária, disparada sob o discurso de uma reforma que nunca veio.

Não se pode dizer o mesmo dos outros preços, aqueles controlados ou administrados pelo governo. Estes, na média, somaram mais que o dobro do IPCA: também exatos 228,3%. Dentre cerca de trinta itens que se incluem nessa categoria, seja pela via de contratos malformulados ou dolarizados, seja pela estrada da indiferença às metas do próprio governo, estão os vilões comandados pelo gás de cozinha, cuja variação no período alcançou os estratosféricos 500,69%. Não é pouco, mesmo e a despeito da demagógica iniciativa que subsidia o “gás de barraco”. Ali entram também: os transportes coletivos que, nas sete maiores metrópoles, emplacaram uma remarcação tarifária de 274,8%; as tarifas da telefonia fixa, que subiram 509,7% para delícia das concessionárias privadas; as tarifas da eletricidade que, empurradas também pelo apagão, subiram 262,1% no mesmo período de oito anos.

Agora com o dólar em alta – primeiro com medo de Lula, atualmente com medo da guerra -, um outro fenômeno já conhecido descontrola o trem da economia, para desespero do combalido mercado interno. Quem exporta, ri à toa; quem produz para o mercado tupiniquim, purga os reflexos de uma dolarização camuflada de muitos produtos, tipo exportação ou não – do açúcar ao óleo de soja, do aço, do suco de laranja, do papel e até do plástico… e do gás de fogão, outra vez. A inércia tem sua lógica própria.

Que não se acostume dizer de novo o que já se estava acostumado a dizer em tempo de inflação de 80% ao mês: sobe o preço hoje porque os custos subiram ontem, e porque os preços subiram de novo, deve-se amanhã reajustar os custos. Ciranda, inércia ou o nome que se queira dar, é a mesma história. Cair nessa armadilha seria a última coisa que o governo Lula poderia admitir, para desesperança dos esperançados de todo o Brasil. Médico que é, o ministro Palocci está com o diagnóstico na mão. O vírus dos preços administrados é terrível. Mas depende do governo. Urge administrar o remédio certo e na dose exata.

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