Indulto e comutação (redução) de penas. Considerações. (VIII).

Como dissemos no artigo anterior as disposições do art 7.º do Decreto e seu parágrafo único parecem ser de meridiana clareza, todavia, em sede de execução penal ocorrem perplexidades. Com efeito, imagine-se réu em cumprimento de pena de detenção (no regime aberto ou semiaberto) quando sobrevém condenação por outra pena mais grave – crime hediondo (reclusão = regime fechado). O que fazer nesta hipótese? Muito embora não se fale em causa interruptiva, mas para cumprir o mandamento contido no art. 76 do CP acima citado, fica suspensa a primeira execução. Assim, após o cumprimento do crime relacionado à pena de reclusão, continua a execução anterior. Quando assim não seja, seria ilógico permanecer o réu em regime mais brando e depois retornar ao mais gravoso.
Intérprete da disposição em foco, Sérgio Mazina Martins, com propriedade, traz o deslinde à questão quando concorrem crimes comuns e crimes hediondos. Assinala o autor: – Idêntica a natureza (p. ex., duas penas privativas de liberdade), passa-se ao exame de sua qualidade para a determinação dessa prioridade, como tal compreendendo-se o exame das propriedades negativas da pena. Assim, uma pena de reclusão, cuja progressão esteja vedada por tal ou qual motivo, deve ter sua execução necessariamente antecedida a outra de reclusão sem essa vedação. A ocorrência é comum na execução penal: o agente foi condenado por um tráfico de entorpecentes, com a progressão concretamente vedada com força de coisa julgada, e também por um furto; logo, deve primeiramente cumprir aquela pena sob o regime fechado, para, depois, passar ao cumprimento da pena do crime patrimonial onde, agora sim, poderá postular sua progressão (veja-se, porém, que a norma em questão não diz respeito à unificação de regimes prisionais diversos, esta sim regulada especificamente pelo art. 111 da LEP). Idêntico raciocínio pode ser efetuado quanto ao prazo de postulação do livramento condicional, quando em concurso penas que têm e penas que não têm a marca da hediondez.
Tal lição é trazida para o Instituto do Indulto, seja parcial, seja total. O réu deve cumprir a pena em relação ao crime impeditivo para, após, iniciar a execução do ou dos crimes não impeditivos. Conquanto a autor ainda se refira à progressão vedada, tal se deve porque suas considerações foram escritas quando em vigor o impedimento, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo STF.
Esclareça-se que o tempo de cumprimento da pena relacionado ao crime impeditivo não pode ser considerado para aferição do requisito temporal quanto à hipótese permissiva. Assim, se houver crime de tráfico e furto, cumprida a pena relacionada ao tráfico começa a fluir a remanescente, e exclusivamente desta extrai-se o requisito temporal exigido. Assim, com a devida venia, a permissão do Decreto no sentido de considerar apenas 2/3 do crime impeditivo afronta a lógica e a ordem constitucional.
O art. 8.º menciona as restrições para a concessão da indulgência, seja parcial ou total. Com efeito, a disposição cumpre mandamento constitucional, eis que os crimes hediondos e hipóteses assemelhadas são insuscetíveis do favor rei. Assim não poderão receber os benefícios (na linguagem do Decreto – para nós seriam direitos presentes as condições legais) as pessoas condenadas pelas hipóteses contidas no artigo (8.º), quais sejam: I – por crime de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de droga, nos termos do arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 da Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006; II – por crime hediondo, praticado após a edição das Leis nos 8.072, de 25 de julho de 1990; 8.930, de 6 de setembro de 1994; 9.695, de 20 de agosto de 1998; 11.464, de 28 de março de 2007; e 12.015, de 7 de agosto de 2009, observadas, ainda, as alterações posteriores; III – por crimes definidos no Código Penal Militar que correspondam aos delitos previstos nos incisos I e II, exceto quando configurada situação do uso de drogas disposto no art. 290 do referido Código Penal Militar;
Observe-se que as restrições do artigo 8.º e dos incisos I e II do art. 1.º não se aplicam às hipóteses previstas nos incisos VIII, IX, X e XI do citado art. 1.º.
Cumpre realçar que o indulto relacionado à condição de ter filhos conforme mencionado no inciso VI do art. 1.º não alcança as pessoas condenadas por crime praticado com violência ou grave ameaça contra o filho ou a filha. (Segue)

Mauricio Kuehne
é  Professor emérito do Centro Universitário Curitiba. Ex-Diretor Geral do Departamento Penitenciário Nacional.

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