Independência e harmonia

Por definição, a democracia é um governo do povo, para o povo e pelo povo. Como instrumentos para que assim seja, compõe-se de três Poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Eles devem funcionar independentes e harmonicamente entre si. Não deve haver um Poder que se sobreponha aos outros. Mas o Legislativo, por representar a Nação via partidos políticos, ou seja, agremiações que traduzem idéias e ideologias abraçadas pelos cidadãos e seus líderes, e ainda por ter a representação das diferentes regiões do País, é a base do tripé que sustenta a democracia. Ele faz as leis que devem ser executadas pelo Poder Executivo; e as questões porventura surgidas são dirimidas pelo Judiciário. O Executivo executa, embora nas democracias incipientes e nas ditaduras legisle via decretos-leis.

A nossa democracia certamente ainda é incipiente no que toca à harmonia e independência dos poderes e, mais ainda, quando não consegue dar ao povo a igualdade de direitos, que precisa passar pelo bem-estar social, oportunidades educacionais e econômicas. Com Lula no governo, sentiu-se a tendência de o Executivo sobrepor-se aos demais poderes. Houve submissão que se manifestou na formação da chamada base de sustentação do governo e o uso indevido, e talvez não proposital, pelo presidente, de expressões impositivas e até de desconsideração em relação aos outros poderes. Verdade que logo objeto de pedidos de desculpas com versões mais palatáveis. Debitem-se tais impropriedades à ansiedade de Lula por consertar o País, depois de tantos anos de luta na oposição e por sua formação partidária numa agremiação política rígida em matéria disciplina.

As reformas, em especial a da Previdência, põem em cheque o funcionamento independente e harmônico dos poderes. Enquanto o assunto reformas estava exclusivamente nas mãos do Poder Executivo, que teve a iniciativa, foi legítimo ouvir o criado Conselho Econômico e Social e os governadores de Estados. Com eles, Lula e sua equipe montaram as propostas que foram levadas ao Congresso Nacional. Uma vez entregues, competem à Câmara e ao Senado as decisões sobre a nova legislação. Aliás, o próprio presidente da República reconheceu isso, no discurso que fez no ato solene de entrega das propostas, embora enfatizando a necessidade de sua aprovação e a esperança de que isso se faça sem que os textos oferecidos percam sua essência.

Contra pontos das reformas propostas manifestaram-se funcionários públicos e parlamentares, o que é legítimo. Os servidores foram à greve, o que é um direito. Legítimas também as manifestações do presidente do Supremo Tribunal Federal, pois nada impôs, mas apenas ponderou e sugeriu. Mas as decisões sobre mudanças ou não na proposta inicial cabem ao Congresso e isso reafirmou o senador Paulo Paim, vice-presidente do Senado e membro do PT. O mesmo fez o presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha. O primeiro deixou bem claro que os governadores devem se dedicar à administração de seus Estados, resposta à reação que tiveram contra as mudanças cogitadas nas reformas e à afirmação de Lula, feita em Portugal, de que qualquer alteração deverá ser consentida pelos governadores. Por esse caminho, há um retrocesso na consolidação democrática, por desarmonia e falta de independência dos poderes.

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