Indenização por dano moral e infidelidade

1. O dever de fidelidade do cônjuge

O dever de fidelidade implica na abstenção de cada cônjuge praticar relações sexuais com outra pessoa. O não-cumprimento estabelece o adultério, ofendendo a honra do outro consorte, perturbando a estabilidade familiar, além de constituir injúria grave. Cabe-nos tecer aqui alguns comentários antes de concluirmos acerca da possibilidade ou não da ocorrência de adultério via internet.

O casamento impõe determinados direitos e deveres para ambos os consortes. Assim, prescrevem os incisos I e V do art. 1.566 do novo Código Civil a fidelidade recíproca e o respeito e consideração mútuos, como deveres de ambos os cônjuges (art. 231, I do CCB de 1916). Cabe ressaltar que o Cód. Civil de 1916 não previa o “respeito e consideração mútuos” como um dos deveres, portanto, discute-se aqui a inserção da infidelidade virtual reiterada e comprovada como infração também do disposto no art. 1.573, VI, por conduta desonrosa, com exercício repetido de prática de sexo virtual com interlocutor.

Cabe lembrar que tanto os cônjuges como os conviventes têm o mesmo dever de fidelidade. A traição não se restringe ao casamento, mas o adultério sim.

Dessa forma, fundamental é definir como será estabelecida a prova dessa suposta infidelidade. Pergunta-se: podem as cópias impressas dos bate-papos e e-mails serem consideradas documentos? É possível assegurar a sua veracidade e autenticidade?

2. Da prova da infidelidade virtual e sua reparação

Havendo traição, a parte ofendida poderá demandar também indenização por dano moral. Neste caso, o juiz analisará as conseqüências que o fato aportou à vítima, bem como a intensidade do constrangimento e da dor provocados pela ofensa. Além disso, verificará as condições econômicas de ambos.

Escreve Renato Opice Blum que, por intermédio de recursos técnicos, é factível a mudança de documentos digitais sem deixar vestígios. Contudo, por meio da técnica da certificação eletrônica pode-se assegurar a autenticidade e veracidade de um documento eletrônico, atribuindo-lhe, portanto, validade jurídica. Assim, os que dispõem da assinatura digital já podem realizar troca de documentos e informações pela rede com segurança física e jurídica.(1)

Entendemos que o disposto nos arquivos poderá ser objeto de prova, aliás, freqüentemente constatamos pelos meios televisivos, em casos de fortes indícios de fraudes, o recolhimento dos computadores dos suspeitos. Passa-se assim a discutir se houve ou não invasão de privacidade e se a prova obtida é lícita ou não.

Prescreve o art. 152 do Código Penal que a divulgação, “sem justa causa”, de conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem, é crime contra a inviolabilidade de segredo, cuja pena é de detenção, de 1 a 6 meses, ou multa. Somente se procede mediante representação.

O sujeito passivo será aquele que sofreu o dano, portanto o cônjuge “infiel”, caso o outro divulgue e-mail recebido ou o histórico do bate-papo. O documento particular é, normalmente, sigiloso. A vida privada deve ser preservada e o consentimento do ofendido afasta o crime.

Destarte, se em ação civil, o cônjuge junta e-mail ou histórico de bate-papo impresso de correspondência trocada pelo outro cônjuge, onde revela-se sua deslealdade, configura a justa causa, portanto, não se caracteriza o crime de divulgação de segredo prescrito no art. 152 do Cód. Penal.

Também o inc. XII do art. 5.o da Constituição Federal de 1988 prescreve a inviolabilidade do sigilo de correspondência.

É evidente que o cônjuge “traidor” também tem o direito à livre expressão de pensamento garantida pelos incs. IV e IX do art. 5.o da CF. Isso o cônjuge traído não poderá dele tirar, sucede que pessoas casadas têm sua liberdade mais restrita que as solteiras. Por vezes, essa comunicação às escondidas que ele mantém, essa paquera, pode afetar a honra do cônjuge, dependendo do conteúdo das mensagens. A vida em comum impõe restrições que devem ser seguidas para o bom andamento da vida do casal e do relacionamento. Na liberdade de expressão não se inclui o direito a difamar, insultar ou revelar segredos e particularidades que não interessam a mais ninguém.

Se a pessoa conhece as regras, e o anonimato é uma delas, dificilmente se conseguirá provar que jamais desconfiou da idoneidade da informação recebida. Ao se adentrar no chat a pessoa deverá inserir um nickname. Este é o apelido, não o nome do correspondente.

Segundo o magistrado catarinense Alexandre Rosa,

“assumido o Paradigma do Desamor, basta a vontade deliberada de um não querer mais viver junto para efeito de separação judicial, sendo absolutamente inconstitucional (em face do princípio da dignidade humana) a necessidade de comprovação da existência da infidelidade virtual e a insuportabilidade da vida em comum.”(2)

Se a intenção fosse a de consumar a relação com uma outra, poder-se-ia buscar aventuras em boates, nas ruas, praias ou bares. Não é difícil usar de um artifício para sair de casa e relacionar-se sexualmente com alguém, por exemplo, na hora do almoço, trajeto de volta para casa, horário de aula, viagem de negócios, enfim, desculpas não faltam.

O flerte não gera indenização por dano moral baseada no art. 159 do Código Civil Brasileiro de 1916 e art. 186 novo Código Civil, pois poderá ter havido negligência e imprudência de ambas as partes, que conhecem as possíveis conseqüências geradas pelo anonimato da rede.

Se a parte demonstrar prejuízo material, a culpa do agente e o nexo causal, poderá acarretar indenização. Contudo, a julgar pelas circunstâncias, o dano moral poderá ensejar indenização para o cônjuge ou companheiro que se sentir moralmente ofendido, dependendo das provas apresentadas.

3. Algumas considerações finais

A caracterização ou não da infidelidade virtual há que ser analisada com muita parcimônia, visto que nessa ligação não há contato físico entre os internautas, embora haja emoção e prazer. Trata-se de contatos passageiros, “sem rosto”, sem identidade precisa, ademais, dependem de uma máquina para a sua comunicação. Não há convivência, há uma paquera sem atração pelo corpo real, portanto, fácil de ser esquecida, pois faltam elementos complementadores que, em boa parte dos casos, farão com que tão “avassaladora paixão” termine quando houver um encontro real e a máscara cair. Não há obrigações exigíveis por parte dos amantes virtuais. Trata-se de um relacionamento especial, mas não tão compromissado quanto o real.

A nosso ver, se a relação se restringiu ao universo virtual, não se configura o adultério, pois faltou o contato físico entre os envolvidos.

O adultério e a infidelidade são escolhas que o cônjuge faz, não uma imposição biológica.

Por hora, acreditamos que os nossos tribunais devem deter sua atenção para os contratos eletrônicos, envio de spam, abuso dos crackers, propriedade intelectual, responsabilidade dos provedores, proteção das marcas, invasão de privacidade, etc. Pode-se, por enquanto, deixar que os casais resolvam entre si se desejam ou não continuar juntos.

Notas

(1) A internet e os tribunais. Revista Literária de Direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, fev./mar. de 2001, p. 28.

(2) Revista Panorama da Justiça, n.º 29. São Paulo: Editora Escala, p. 28.

Tereza Rodrigues Vieira

é doutora em Direito Civil pela PUC-SP/Université de Paris, especialista em Direitos Difusos e Coletivos pelo Ministério Público de São Paulo, especialista em Bioética pela USP, professora e pesquisadora dos cursos de graduação e mestrado em Direito e Enfermagem das universidades Unicastelo, UniABC e Unipar, membro da Sociedade Brasileira de Bioética, diretora do Núcleo de Bioética, Biodireito e Sexualidade da Seccional OAB-SP.

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