Inclusão social, discurso e práxis

Inclusão social não é biverbete auto-aplicável. Se assim fora, bastaria ao andarilho adentrar-se ao banco e assumir a posição de caixa da casa. Tampouco é tarefa para os avessos ao compartilhamento fraterno do capital e também não o é para algum oportunista de plantão que adota o discurso para agrado do “chefe”, mas isto dosadamente nos intervalos de outros folguedos que contemplam a própria inclusão… na society. Sobra então para quem realmente tem convicção.

O Ministério da Ciência e Tecnologia, para o honesto cumprimento de seu Plano Plurianual 2004-2007, criou, já em 2003, uma Secretaria da C&T para a Inclusão Social (SeCTIS). Cabe-lhe, possivelmente, tarefa mais espinhosa do que aquelas que cabem às demais secretarias, isto porque, com força de cláusulas pétreas, os mega-objetivos (sic!) são de real peso constitucional: a) inclusão social e redução das desigualdades sociais; b) crescimento com geração de trabalho, emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regionais (superando a exposição à vulnerabilidade externa); c) promoção e expansão da cidadania e fortalecimento da democracia. Mais do que isso é o que enfatizou o professor Jocelino Francisco de Menezes, titular da SeCTIS, em sua recente passagem por Curitiba, a convite da PUCPR, que democraticamente franqueou a entrada de seu evento a outras comunidades. Olhar penetrante, mestre pela UFSC, especialista pela FGV e USP eloqüente bastante para sustentar uma hora de palestra sem qualquer recurso de mídia, consulta ou vacilação, sotaque inconfundível da menor unidade da federação, o visitante deslizou desde o navegante Dom Henrique e a Escola de Sagres, passou por Nelson Mandela e desembarcou (nas próprias palavras) no escandaloso contra-senso. qual seja um País estar colhendo 120 milhões de toneladas de grãos (com a “cumplicidade” do Paraná, estado-celeiro, com 29 milhões delas!) e mantendo um programa chamado “Fome Zero”.

Se nos afigurou impossível manter a continência verbal e argumentamos que o carro-chefe desta formidável safra é a soja com mais de 50 milhões de toneladas e sua evolutiva classificação enquanto neo-commodity: convencional, transgênica e convencional-orgânica. A 1.ª para os franceses (que se preciso for para manter a Alsácia não mais invadida seriam capazes de renunciar ao queijo e ao vinho), a 2.ª para os chineses (onde parece já haver uma boca para cada palmo de terra e cujos cientistas criaram o tabaco transgênico antes dos norte-americanos) e a 3.ª, para fidelidade às juras da inclusão social, por ser totalmente isenta de pesticidas, “confiscada” pelo próprio governo e integralmente “incluída” na merenda escolar, ou seja, os “excluídos” porque indefesos. Fonte de gordura saudável e proteína nutricionalmente consistente garantidas, completar-se-ia o cardápio com o carboidrato da mandioca (PR e PA disputam a hegemonia de produção, cada qual com cerca de 4 milhões de toneladas/colheita/ano). Aduzimos que no ritmo atual de incremento de produção e produtividade (viva a Embrapa e congêneres!) ainda sobra soja para o biodiesel. Agarrou rápido, nosso ilustre visitante, a última isca, puxou a linha toda água adentro e num único movimento tipo dourado engoliu o “pescador”. Desfilou os argumentos da biodiversidade brasileira, que obviamente incluem o babaçu, o dendê e a mamona como matérias-primas tão boas senão melhores do que a própria soja quando se pensa no substituto do diesel que já está batendo às nossas portas (o biodiesel não deixa de ser um interessante modelo de inclusão social, também; o governador Requião assinou, em 10 de novembro de 2003, o Decreto 2.101, criando o “PR-BioEnergia” justamente nesta linha). Fê-lo com as tintas e segurança de suas pregressas e outras “pós-graduações” por três diferentes ministérios de Brasília. Mas para surpresa geral, na questão maior, emitiu uma breve e decisória concordância, com o que restou nos recolher o caniço e o puçá, evitando a pura tertúlia acadêmica.

Discurso enérgico, argumentação cristã (sem preocupação de agrados à casa posto que se confessou bem impressionado com o Laboratório de Engenharia e Transplante Celular, mas não deixou de cobrar uma ação universitária mais concreta para o Rio Belém poluído e para a favela que lhe são vizinhas), a todos convenceu da sinceridade do que apregoa. Conhecedor profundo de Curitiba (onde nasceram seus filhos), dentre outras lições de cidadania, deixou uma que é dignificante: gratidão pública a alguém da platéia que lhe amparou em tempos menos amenos. Algo tão bonito e tão diferente do escorpião inculto que, uma vez cruzado o caudal, crava o ferrão no dorso do batráquio sábio mas ingênuo que lhe serviu com o transporte. Elogiou, dentre outras instituições paranaenses, a Fundação Araucária, pelo profissionalismo e disciplina como uma das FAPs já integradas na regionalização das ações do CNPq e MCT. Conclamou a todos para a etapa seguinte de regionalização, trabalhosa, da Finep. Ainda segundo ele: Ciência não é feita para que o cientista dela se sirva; antes, sim, para atender as necessidades sobretudo daqueles que a ela não têm acesso e, sim, necessidade de seus frutos. A Finlândia é mais desenvolvida do que os ditos do “primeiro mundo” porque mais usa o conhecimento do que o exporta ou vende. Meio biblicamente: “Crie e se aposse do conhecimento e tudo o mais vos será dado”. Todos os ministérios (32?) são importantes, mas o da C&T é o fundamental (por nossa conta dilataria a fundamentalidade para o MEC, adotadas as 3 balizas do 2.º parágrafo). Falou e convenceu. Que tenha vida – biológica e política – longa. Que nenhum pântano brasiliense submerja esta coerência de um Brasil para todos.

José Domingos Fontana é docente voluntário na UFPR e orientador nas pós-graduações de Farmácia, Bioquímica/Biologia Molecular e Processos Biotecnológicos; pesquisador 1-A do CNPq, prêmio paranaense em C&T e coordenador pro-tempore do Cerbio – Centro Brasileiro de Referência em Biocombustíveis.

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