O déficit habitacional é tão grande no Brasil que escapa às estatísticas. Fala-se em dez milhões de moradias, mas este é um número redondo que entra fácil nos discursos e promessas, mas pode estar longe da realidade. Esta, certamente, é pior. A construção de moradias exige financiamentos. Quase ninguém ganha o suficiente para fazer um pé-de-meia e, em tempo adequado, comprar ou construir a casa própria. Os financiamentos, mesmo que longos a perder de vista, têm juros que não são baratos e prestações que um dia não mais caberão nos orçamentos dos mutuários. Os bancos privados não têm interesse no negócio. Ele rende pouco, há enorme inadimplência e, por procurar atender a um problema social, está sempre sujeito à interferência do governo. Ingerência esta que ignora o negócio e enfatiza a necessidade de agradar os mutuários, que são muitos e votam.

Agora, o governo decidiu mexer no problema. Vem aí um pacote para incentivar a construção de habitações. O que vem sendo anunciado tem pontos positivos. O presidente Lula deverá sancionar logo projeto de lei que amplia as garantias jurídicas dos bancos que financiarem a construção civil. Entre essas garantias está a regulamentação do chamado patrimônio de afetação. O que é isso? Lembram-se daquelas gigantescas incorporadoras que tinham vários prédios em construção em muitas cidades. Algumas, em todo o País.

Quebraram, dentre elas, a maior de todas. O resultado foi que gente que estava com seus apartamentos já praticamente quitados ou mesmo quitados não os receberam e nem o dinheiro de volta. Isso porque quem faliu foi a empresa e seus débitos resultantes das construções que faziam eram da pessoa jurídica. Um mutuário de Belém e um mutuário de Curitiba, por exemplo, eram sócios na desgraça. O golpe, calote ou falência atingia a todos.

O patrimônio de afetação separa as coisas. Mutuários que estão pagando um apartamento num prédio, em caso de inadimplência da incorporadora, só têm a ver com o seu imóvel e o edifício onde estão comprando. Não dividem prejuízos com as vítimas que a quebra da construtora faz em outros prédios, na mesma ou outras cidades. Assim, podem conseguir a continuidade da construção, seja com recursos próprios, novos empréstimos e, em alguns casos, até vender o prédio e pegar o dinheiro já pago de volta. As incorporadoras serão obrigadas a usar o dinheiro dos compradores exclusivamente nos imóveis que estes estão adquirindo. A medida é boa.

O pacote também deverá prever a liberação de recursos do FGTS para o financiamento das construtoras, que poderão tomar empréstimos, construir e vender a obra posteriormente. Hoje, linhas de crédito do fundo não financiam as construtoras diretamente. A novidade deverá vir até a metade de agosto, via Caixa Econômica Federal.

A esperança do governo é que essas duas medidas façam os bancos quase dobrarem o volume mensal de recursos que destinam ao financiamento das habitações. Terão mais garantias jurídicas e mais recursos.

Do pacote, o que está desagradando os mutuários é que os bancos credores poderão retomar os imóveis quando os atrasos nas prestações forem de três meses ou mais. Hoje, há mutuários que devem um ou dois anos e continuam nos imóveis. E 40% dos mutuários estão em atraso. Retomar os imóveis é uma medida antipática, mas vamos reconhecer: se o sistema ficar sem receber, não tem como tocar a mesma e outras obras para novos mutuários. Muita gente continuará sem casa própria.

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