Ilha de saber alfabetizador

Temos mais do que bons motivos para questionar as propostas e os resultados obtidos pelo nosso ensino público fundamental.

Temos a liderança continental do analfabetismo, o 32.º lugar em compreensão de leitura, os 74% de analfabetos funcionais e as 1.493 crianças completamente analfabetas freqüentando as oito séries das escolas públicas de Santos, segundo a própria Secretaria Municipal de Educação.

O poder estabelecido insiste em ignorar esses bons motivos. Insiste em entregar livros aos analfabetos na esperança de que em três ou quatro anos eles aprendam a ler sozinhos. Insiste em afirmar que isso é recomendado pela ciência e que assim se chega à alfabetização significativa. Insiste em imaginar que o Brasil pode permanecer como uma ilha de saber alfabetizador, sem nenhum tipo de contato com os países que formam o continente da racionalidade pedagógica.

Esses países sabem que a qualidade do ensino fundamental é que universaliza a escola. Sabem que a qualidade do ensino fundamental repousa sobre o domínio da leitura e da escrita. Sabem que é importante acompanhar e mesmo financiar projetos experimentais, mas orientam o ensino público fundamental, e a alfabetização pública com maior ênfase, por critérios objetivos de eficácia.

Esses países aceitam hoje os trabalhos apresentados em 1990, pela doutora Marilyn Jager Adams, no Massachussets Institute of Technology, como pedra fundamental dos seus modelos alfabetizadores. Confirmam, nos seus avançados centros de pesquisa, que para idiomas com ortografias alfabéticas, (como inglês, francês, espanhol, português, alemão, e outros) a habilidade de identificar e de manipular os fonemas é o fator isolado que melhor permite prever o sucesso na alfabetização.

Esses países se baseiam nessa constatação para orientar os seus modelos alfabetizadores na direção da concepção fônica. Esses países ensinam os analfabetos a identificar e a manipular os sons elementares dos seus idiomas (fonemas). Ensinam então que há relações entre esses sons e as letras do alfabeto (grafemas). Ensinam que as palavras escritas são seqüências de letras que correspondem a combinações de sons que formam as palavras faladas. A leitura oral supervisionada consolida os conceitos envolvidos e são empregadas diversas estratégias para desenvolver a compreensão e a correção de palavras, frases e textos lidos. As habilidades da escrita são estimuladas em paralelo, com as mesmas premissas. Esses países são França, Chile, Itália, Inglaterra, Estados Unidos e Portugal, onde essa forma de alfabetizar é recomendada pelos governos, Cuba, Israel, Canadá, Bélgica e Alemanha, onde é um padrão de fato, e muitos outros, é claro.

Esses países comprovam que com um ano de instrução adequada, realizada em torno dos sete anos de idade, uma criança medianamente dotada adquire as habilidades da leitura e da escrita. Definem e avaliam a aquisição dessas habilidades de forma clara e objetiva. O aluno tem acesso à série seguinte se demonstra, em níveis razoáveis, que é capaz de: a) Ler e escrever com segurança, fluência e compreensão; b) Coordenar os indicadores fônicos, gráficos, sintáticos e contextuais, para guiar e corrigir seus próprios erros; c) Ler e soletrar corretamente, quando necessário, mesmo possuindo um vocabulário crescente; d) Compreender e escrever nos gêneros de ficção, não-ficção, prosa e poesia, e nas principais formas de narrativa; e) Planejar, rascunhar e revisar os próprios textos, quando necessário.

Esses países se recusam a admitir que uma criança medianamente dotada necessite de quatro, de três ou mesmo de dois anos para adquirir o domínio da leitura e da escrita. Temos mais do que bons motivos para questionar as propostas e os resultados obtidos pelo nosso ensino público fundamental. Temos milhões de subalfabetizados e contribuintes pagando um preço muito alto pelos caprichos pedagógicos da nossa ilha.

Silo Meireles

é diretor da Editora Primeira Impressão.e-mail:primeira@visualnet.com.br

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