Idéia de Lula

A idéia não é nova, mas agora pertence ao presidente Lula: transformar prédios e casas abandonados ou desabitados – versão urbana das terras improdutivas – nos centros urbanos do Brasil em moradias para famílias pobres e carentes.

Ele colocou-a à nação na última sexta-feira, em Blumenau-SC, onde, além de beber cerveja na 20.ª Oktoberfest (não todas que gostaria, conforme reclamou, aludindo à vigilância da imprensa), presidiu a inauguração de um pequeno conjunto habitacional (160 apartamentos) destinado a pessoas de baixa renda, financiado pela Caixa Econômica Federal. Apenas para evitar qualquer mal-entendido, ressalve-se que a cerveja foi bebida depois do discurso. Portanto, nenhuma influência teve sobre ele.

Segundo Lula, a carência habitacional brasileira hoje está na casa dos 6,5 milhões de unidades, “pouca coisa” se considerado outro número (que ninguém sabe de onde saiu) – os 4,5 milhões de imóveis desocupados em grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. “Vamos ter de encontrar um jeito de transformar esses prédios desocupados em habitações para pessoas pobres”, disse Lula.

Defendendo a proposta que lhe saiu como se fosse “ovo de Colombo”, o presidente destacou que o aproveitamento das residências desocupadas dispensaria obras de saneamento e de energia elétrica – instalações, entre outras, já feitas. “As pessoas poderiam morar – aduziu – no centro da cidade a um preço compatível com o salário que ganham.” E reforçou: “Isso só pode ser feito se nós tivermos critérios e determinação política de transformar a realidade num sonho para o povo trabalhador deste País”. Seria de corrigir: para transformar sonho em realidade. Mas isso não tem muita importância.

A idéia de Lula preocupou imediatamente o secretário nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Jorge Hereda. Ele procurou esclarecer que Lula, quando fala nesse projeto de aproveitamento de imóveis desocupados, não está falando em ocupação de prédios. Esclareceu que “são imóveis vazios, mas têm donos” e, por isso, “de jeito nenhum” a proposta pode ser entendida como algum incentivo, convite ou sugestão de invasão de imóveis desocupados – novos ou velhos. “Não falamos em ocupação”, sublinhou Hereda.

Imóveis podem estar desocupados por diversos motivos. Por velhice e desgaste, por decisão judicial de qualquer natureza, por defeito sério ou erro de projeto, por motivo de morte na família ou aguardando o desfecho de processo de partilha… enfim, por um infinito número de causas. Ninguém deixa de ganhar dinheiro com um imóvel gratuitamente, excetuando-se o próprio governo (de qualquer das três esferas), como aqui temos por exemplo o abandonado fórum do Centro Cívico. Sem a truculência da invasão, seja por parte do governo, seja por parte dos sem-teto, será necessária muita criatividade para encontrar meios de solucionar rapidamente problemas para dar a esses imóveis a nobre finalidade imaginada pelo presidente.

Para que não se diga, como aves de mau agouro, que o discurso de Lula pode acabar detonando a “reforma urbana” nos moldes em que está encaminhada a “reforma agrária”, com invasões e violência (já verificada em São Paulo com o movimento dos sem-teto), seria de bom alvitre que o governo federal, antes de tumultuar o que já está tumultuado, explicasse à nação como é que pretende resolver o problema da moradia – um dos grandes problemas que aí estão para ser resolvidos. Até aqui, não ouvimos uma vírgula sequer de qualquer política abrangente (e consistente) neste sentido.

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