Hora de ser macho

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva emite sinais de que pode incorrer no mesmo erro que imobilizou o reinado de Fernando Henrique Cardoso: o tom excessivamente conciliador, e o empenho em não melindrar ninguém, particularmente os setores da sociedade bem representados por lobbies nos três poderes. Querendo agradar a todos, FHC tornou-se refém desses lobbies, e deu no que deu.

A hora para Lula provar que é diferente é agora. Embalado pela popularidade, o presidente precisa aplicar já as medidas nem sempre doces para as tão sonhadas reformas. As assimetrias brasileiras são tão vertiginosas que alguns certamente sairão perdendo, o que vai provocar arranhões na ainda reluzente imagem presidencial. Mas é melhor pôr a cara a tapa agora, em nome de uma boa causa, do que frustar os mais de 50 milhões de brasileiros que votaram pela mudança.

Tome-se como exemplo a reforma da previdência. Foi o ministro Ricardo Berzoini ensaiar os primeiros movimentos na busca de uma solução mais justa para o sistema previdenciário, que começou o bombardeio dos lobbies. Os militares reagiram com uma anacrônica ameaça: “Qualquer mudança trará instabilidade militar, e isso não é coisa boa para nenhum governo”, fustigou na semana passada o general aposentado Luiz Gonzaga Lessa, presidente do Clube Militar.

Os togados engrossaram o coro: “Quando o servidor opta pela carreira pública, começa a contribuir para ter no futuro certos direitos. Indaga-se: iniciada essa relação jurídica, é legítimo que ela seja alterada por uma das partes?”, emendou o presidente do Superior Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello. Arrombada a porteira nesses casos, a reforma vai para o brejo. Ou, nas palavras de João Felício, presidente da CUT: “Se quem usa farda e toga merece aposentadoria diferenciada, quem usa britadeira, giz e bisturi também merece. Ou se faz uma reforma justa ou vamos continuar tendo uma previdência injusta”.

Mas é o Estado quem deve dar o exemplo. Começando por dar a contrapartida, como empregador, da contribuição previdenciária dos seus servidores, como acontece na iniciativa privada. Em seguida, com seus representantes abrindo mão das aposentadorias superpostas a que muitas vezes têm direito.

Porém, um começo realmente promissor se vislumbraria se o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), a ser eleito presidente da Câmara, não se submetesse à mesquinharia da atual Mesa diretora, que teve a cara-de-pau de reajustar em 71,4% os recursos destinados à manutenção dos escritórios políticos nos estados, chamada de “verba indenizatória”. E isso um mês depois de aumentar os próprios salários em 50%. Com a nova medida, passa dos R$ 55 mil mensais a média do que recebe cada um dos 512 deputados federais (aí incluído salário, a tal “verba indenizatória”, cota de telefone e correspondência, verba de gabinete e auxílio-moradia). Assim fica difícil exigir sacrifícios de quem quer que seja.

Luigi Poniwass

(almanaque@parana-online.com.br) é repórter do Almanaque em O Estado

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