História, liberdade e vida

A história nos traz exemplos incríveis de coragem, heroicidade, estoicismo na luta pela liberdade, vontade na firme perseguição de objetivos claros a serem alcançados. Vemos no povo alemão, por exemplo, uma força sobre-humana para garantir a conservação da religiosidade, tão importante nas situações difíceis, nos momentos de sucesso, enfim, em todas as horas, lugares e ocasiões. Não se pode deixar de recordar as lutas que foram levadas até as últimas conseqüências para se conseguir êxito nos empreendimentos. Por certo, muitos fatos históricos nem sempre estão presentes na nossa vida, às vezes, por falta de registros e documentos.

Desde os tempos vividos pelos antepassados na Alemanha, atormentados por guerras constantes, a história do meu povo de Mariental é repleta de sofrimento para conquistar a liberdade e conservar a sua identidade. É um povo que deixou até sua primeira pátria, a Alemanha, para poder praticar livremente a sua religião, ter uma pátria sem guerras e mortes, sem destruições e ódio, sem desemprego e fome, sem medo e perseguições. É a história de um povo que foi capaz de abandonar o que tinha de mais caro e sagrado – a própria pátria, para conservar o que é essencial à vida: a liberdade, a dignidade, a religião e a razão de viver.

Para melhor compreensão da história dos alemães do Volga, é preciso ter em perspectiva uma Europa conflitada e dividida por guerras e lutas fratricidas, conseqüência de intrigas e de ambições insaciáveis na época das migrações para a Rússia. As constantes e desgastantes guerras, de longa duração e de grandes proporções, durante o reinado de Maria Teresa da Áustria, imperatriz da Alemanha (1717-1780), arrasaram as terras dos nossos antepassados, destruíram suas lavouras e dizimaram seus filhos adolescentes, convocados para os terríveis combates e, na maioria das vezes, neles sacrificados. A primeira dessas longas guerras, conhecida como a Guerra dos Trinta Anos, ocorreu de 1618 a 1648.

É interessante notar que, enquanto a Espanha, a França e a Inglaterra emergiam da Idade Média, criando monarquias absolutas, a Alemanha, da mesma forma que a Itália, não conseguia constituir um Estado nacional. Mantinha a feição herdada do período medieval: um mosaico de pequenos domínios, onde predominavam os vínculos feudais. Ao todo, eram mais de 360 Estados, diferentes em extensão, recursos e sistemas de governo. A espantosa divisão transformou esses pequenos Estados alemães em joguetes dos vizinhos poderosos.

Quando a Guerra dos Trinta Anos terminou, um terço da população germânica havia morrido e parte dos sobreviventes recorria ao canibalismo. À força de obstinação e trabalho, os alemães reconstruíram a vida, a economia e a cultura, mas a unidade nacional não havia sido obtida ainda e, na verdade, nem interessava aos países fronteiriços.

As guerras, todas as guerras, inclusive conflitos familiares, provocam enormes desastres de toda a natureza, e a vida se torna insustentável. Muitos de nossos familiares na Alemanha perderam seus filhos nos campos de batalha. Já cansado de tanto sofrimento, mesmo possuindo terras e alguns bens, nosso povo sonhava com um lugar onde pudesse viver em paz.

A par do sofrimento e matança, as guerras deixam triste herança: uma terrível depressão de espírito e sensação de inutilidade. Em determinadas regiões da Alemanha, as terras ficaram empobrecidas, dilaceradas e improdutivas pelos conflitos. Os homens que retornavam da guerra encontravam suas famílias sem ânimo e desfiguradas pela fome e doença. Soldados andavam sem rumo, procurando trabalho e o que comer.

A história ensina à humanidade que há outros caminhos para superar impasses, sem recorrer a lutas sangrentas, eivadas de ódio, intrigas e ambições, com suas conseqüências irreparáveis. Hoje, os alemães do Volga são cidadãos livres de vários países para os quais imigraram, como o Brasil, Estados Unidos, Canadá e Argentina. Seus direitos civis e sua cidadania são plenamente reconhecidos, sendo iguais perante a lei e os demais cidadãos. No Brasil, encontramos alemães do Volga em diversas localidades do Paraná. Mariental, no município da Lapa, na Região Metropolitana de Curitiba, é uma dessas localidades, minha terra natal.

Estêvão Müller

é educador marista, escritor, assessor especial e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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