Embora a temática da presente reflexão envolva o interesse público, lembro que não será abordada a recorrente arbitrariedade do senador Requião que arrancou o gravador de um repórter em protesto à pergunta se continuaria recebendo salário de ex-governador diante de eventual crise financeira do seu estado (Paraná). Talvez aludido senador não tenha consigo muito clara a diferença entre interesse do público e interesse público. Daí a recusa. Contudo, é oportuno lembrar que fazer “justiça” com as próprias mãos, ameaça etc, são crimes previstos no Código Penal e que não são acobertados pela imunidade parlamentar. Enfim, vamos ao que interessa.
Para refletir sobre a atitude da Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul em socorrer-se ao Poder Judiciário (Tribunal de Justiça-MS) para não fornecer ao Ministério Público estadual o seu histórico financeiro (movimentação financeira) em face das graves denúncias feitas pele ex-deputado Ary Rigo (objeto do inquérito policial resultante da operação Uragano, levada a efeito pela Polícia Federal, cujo teor todos sabem), faz-se necessário recordar a diferença existente entre interesse público e interesse do público.
Vamos a alguns exemplos para fazer tal distinção. Quanto fatura o cantor Luan Santana, quanto custou o seu jatinho e se tem namorada ou não, embora seja de interesse do público, não é de interesse público. Logo, aludido astro não está obrigado a responder qualquer indagação a esse respeito, salvo em relação ao “Leão” (imposto de renda).
No entanto, o quadro é diametralmente oposto em relação ao administrador público, pois este, como o próprio nome reflete, administra a coisa pública, o interesse público, da sociedade como um todo, abstratamente falando. Logo, sua administração, sua receita, suas contas devem ser as mais transparentes possíveis. Como se afirma popularmente, deve ser um “livro aberto”.
A Constituição Federal em seu art. 37 estabelece, de forma explícita, que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”.
Ensina-nos José Eduardo Martins Cardoso (atual ministro da justiça) que “entende-se princípio da publicidade, assim, aquele que exige, nas formas admitidas em Direito, e dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos, a obrigatória divulgação dos atos da Administração Pública, com o objetivo de permitir seu conhecimento e controle pelos órgãos estatais competentes e por toda a sociedade”.
Como se observa, a obrigatoriedade da publicidade dos atos da administração pública não é uma mera faculdade do administrador público, mas sim uma obrigação constitucional.
Ora, se todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou indiretamente, nos termos da Constituição Federal, conforme prescrito em seu art. 1º, parágrafo único, o acesso às contas de qualquer órgão público não pode ser proibido, sobretudo aos órgãos que têm entre suas funções (obrigações) a fiscalização dos atos do poder público, como é o caso do Ministério Público, seja ele estadual ou federal. Principalmente no que diz respeito à sua legalidade e transparência, justamente por se tratar de atos que se referem ao interesse publico.
Aliás, os órgãos públicos, por iniciativa própria e para reforçar a transparência dos seus atos, é que devem publicar e fornecer a quem tem legitimidade para fiscalizá-los, independentemente de discussão ou celeuma. Pois, do contrário, deixa-se margem para eventuais suspeitas de ilegalidade.
É do interesse público saber como a coisa pública é administrada pelo seu gestor. Do contrário, não há que se falar em pleno estado democrático de direito, o que não ocorre quando o ato for do interesse do público.
José Carlos de Oliveira Robaldo é Procurador de Justiça aposentado. Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. Professor universitário. Representante do sistema de ensino telepresencial LFG, em Mato Grosso do Sul. Ex Conselheiro Estadual de Educação. Sul. e-mail jc.robaldo@terra.com.br