Há contraditório no Inquérito Policial? Sua ausência gera que dano?

O princípio do contraditório está constitucionalizado no art. 5.º, LV da CF/88. Trata-se de direito de opor-se, contradizer, contestar o que é alegado a seu desfavor, que é imputado, acusado contra si. Também o Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 8.º, n.º 2, ‘d’ e ‘e’, trata do assunto ao garantir o direito a um defensor pelo acusado.

O nosso direito civilista exige que a parte tome conhecimento dos fatos alegados contra si, independendo a partir daí a sua manifestação ou não para a regularidade do processo. Já na esfera processual penal, o acusado tem, obrigatoriamente, que se manifestar, assistido por um defensor, e aqui o acusado, ainda que ausente ou foragido tem o direito a um defensor, particular ou concedido pelo Estado. Entretanto, o direito ao defensor refere-se quando o sujeito está sendo processado, isto é, está na esfera Judicial.

O inquérito policial, como sabido, é um procedimento ‘administrativo’, não se trata de processo judicial para ser albergado pelo princípio constitucional do contraditório; assim entendem Tourinho Filho, Frederico Marques, Mirabete e Antônio Mossin.

De fato, no inquérito policial não há acusado, mas indiciado, e o fim deste procedimento administrativo não é o de resolver uma lide, mas sim apresentar elementos para a formação de uma, onde, já na esfera judicial, é que impera-se o princípio do contraditório, o direito a um defensor, enfim, o due process of law.

Poderíamos falar em dano na ausência do contraditório no inquérito policial? Se observado a natureza inquisitorial em que é aplicado o inquérito, entendida como o meio mais correto pelo legislador de 1940, por certo, na discussão da ratio legis teríamos que não há dano algum na ausência do contraditório. Entretanto, entendemos que numa visão mais social, menos dogmática, embora mais racional que a vigente, o sistema inquisitório a que o inquérito policial é elaborado é discutível. Não raro o número de denúncias de abusos, de coerção, de “fabricação de autores do crime” pela imprensa escrita e televisiva, além dos defensores em Tribunal de Júri.

Também é questionável a ausência de uma defesa ainda no inquérito policial em casos como a imputação de assédio sexual e sedução, onde o indiciado, que pode ser a verdadeira vítima, estará perante a sociedade lesado, e tendo que aguardar uma ‘falsa acusação’ chegar ao judiciário, podendo então alegar sua inocência com um potencial probatório maior que o sistema policial permite e dispõe para cada caso isolado. Não será tardio? Quais as conseqüências numa possível prisão deste indiciado?

Por óbvio, em casos em que o interesse público e não o privado como exemplificado, for o motivo para o indiciamento, que geralmente obstaculiza mais o uso do sistema policial como instrumento de vingança pessoal, indiscutível se torna o atual sistema.

Em nossa singela concepção acadêmica, o inquérito policial deveria ser distinto para determinados casos, pois assim como “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”, no dizer de Rui Barbosa, (Obras Completas de Rui Barbosa. v. 48, t. 2, 1921), também temos de conceber que há crimes em que o contraditório se faz necessário para que a busca da justiça não promova injustiças incontornáveis. Da mesma forma que há casos em que o contraditório impediria a persecução da justiça, mormente em casos em que o interesse público de uma coletividade regional floresce com maior intensidade.

Cremos não ser impossível ao Poder Legiferante, com o auxílios de Delegados, Magistrados, Ministério Público e a OAB, criar um sistema diferenciado, isto é, a inexistência de inquérito policial para determinados crimes a fim de que já se promova o devido processo legal em juízo, ou de forma mais burocrática a permissão de um contraditório para tais crimes se não fossem encaminhados diretamente ao Judiciário, e outro sistema em que vigeria pelo sistema atual, onde não há contraditório, em especial para crimes em que a população esteja sendo lesada de forma coletiva.

Destarte, respondendo a indagação por nós sugerida como título, temos que não há contraditório no inquérito policial, e legalmente, pelo sistema vigente, não há dano na sua ausência. Todavia, salientamos que este modelo é arcaico, promove injustiças, atola a Polícia Judiciária com burocracias e, não raras vezes, com trabalho em vão, pois que defensores com assaz técnica criminal transformam o árduo procedimento policial em meras folhas não merecedoras de prestígio.

Todavia, redundantemente salientamos mais uma vez que a nosso ver a concepção unitarista de extinção do inquérito policial, ou de sua reforma generalizada, sem ater-se as peculiaridades dos crimes hodiernos, também não nos parece ser a medida mais correta a ser tomada.

Alexandre Sturion de Paula

é acadêmico da Unopar, membro de grupos de iniciação científica. Conciliador no JEF e estagiário na 2.ª Vara do Trabalho de Londrina, membro do Comitê no Brasil da ILSA-International Law Students Association. E-mail: sturion.jus@bol.com.br

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