Guerra contra o Iraque (V) – As imagens dos prisioneiros e o Direito Internacional Público

Desde o dia 19 de março as atenções do mundo inteiro estão voltadas para o ataque armado iniciado por norte-americanos e ingleses no Iraque. Além da desigualdade das forças combatentes, essa guerra apresenta uma característica muito peculiar: a desinformação. Presente desde o início das desavenças, quando a comunidade internacional não foi informada dos reais motivos para a guerra, a situação continua preocupante até os momentos atuais, quando o mundo todo é bombardeado pela mídia com informações sobre o andamento do conflito, ora de maneira superficial, sem veiculação de dados importantes para sua compreensão, ora de maneira manipulada ou repleta de falsidades.

A partir do quarto dia do conflito, muito se falou sobre as imagens da rede de televisão estatal iraquiana que mostraram ao mundo todo a situação e um breve depoimento dos combatentes americanos que haviam sido capturados e feitos prisioneiros pelos iraquianos. Imediatamente os oficiais militares dos Estados Unidos acusaram o Governo do Iraque de estar violando a Convenção de Genebra.

Mas o que significa essa Convenção de Genebra e o que ela prescreve sobre o assunto?

Na realidade, existem quatro Convenções de Genebra que formam o arcabouço do Direito Internacional Humanitário, cujo objetivo é proteger as pessoas que não participam diretamente das hostilidades, compreendidos os civis, os membros das forças armadas que depuseram suas armas e as pessoas que foram colocadas fora de combate por motivo de doença, ferimento ou detenção pela outra parte combatente.

A Convenção de Genebra relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra, de 12/10/1949, conhecida como Terceira Convenção, tem por objetivo estabelecer um conjunto de normas que visa a resguardar os direitos básicos dos prisioneiros, tais como o direito de permanecer com seus objetos pessoais e artigos de proteção pessoal, de serem levados a um local longe da zona de combate, de ficarem presos em terra firme, além de estabelecer regras que garantam seu alojamento, alimentação, vestuário, higiene, cuidados médicos, práticas religiosas, intelectuais e físicas e suas relações com a família e mundo exterior. Trata, ainda, da disciplina dos prisioneiros, transferência, trabalhos, recursos pecuniários, relações com seus representantes, sanções penais e disciplinares, liberação, repatriamento e falecimento.

Especificamente sobre a publicidade em relação aos prisioneiros, a Terceira Convenção prevê em seu artigo 13 que: “Os prisioneiros de guerra devem ser tratados todo o tempo com humanidade. Todo ato ou omissão ilícita da parte da potência detentora visando à morte ou colocando seriamente em perigo a saúde de um prisioneiro de guerra em seu poder é proibido e será considerado como uma grave infração à presente Convenção. Em particular, nenhum prisioneiro de guerra poderá ser submetido a uma mutilação física ou a uma experiência médica ou científica de qualquer natureza que não seja justificado pelo tratamento médico do prisioneiro interessado e que não seja de seu interesse.

Os prisioneiros de guerra devem, todo o tempo, estar protegidos, sobretudo em relação a ato de violência ou de intimidação, de insultos e de curiosidade pública. As medidas de represálias contra eles também são proibidas.”

A leitura do artigo permite verificar que a Convenção não trata do tema de forma minuciosa, mas apenas se limita a estipular, em termos genéricos, que os prisioneiros de guerra devem estar protegidos da curiosidade pública. Portanto, não há regulamentação específica sobre a distância das imagens ou a possibilidade de identificação das pessoas.

A interpretação sistemática do dispositivo, levando em consideração desde as intenções dos redatores do texto convencional até os propósitos dos demais artigos de todas as quatro Convenções de Genebra, leva inevitavelmente ao entendimento de que nenhuma imagem poderia ser divulgada, preservando amplamente a integridade dos prisioneiros. E tal compreensão deve prevalecer de modo absoluto para todas as partes envolvidas num conflito e que ratificaram as Convenções. Nesse caso, tanto os EUA, o Reino Unido e o Iraque, deveriam abster-se de mostrar cenas dos prisioneiros.

Exige-se, portanto, maior coerência nas atitudes dos beligerantes, sobretudo dos EUA que, até aquele momento, havia divulgado inúmeras imagens de prisioneiros iraquianos, através de cenas televisivas e fotos jornalísticas – ainda que elas não fossem tão explícitas como as iraquianas. Além disso, devem ser cumpridas também por todas as partes as disposições das outras três Convenções de Genebra, que exigem que os feridos e enfermos sejam acolhidos e tratados e que os civis sejam protegidos.

Mostram-se atuais as palavras proferidas por Jean-Jacques Rousseau que, ainda no século XVIII, demonstrava atenção para a dimensão humana dos conflitos. “A guerra não é uma relação de homem a homem, mas uma relação de Estado a Estado, na qual apenas acidentalmente eles são inimigos, não como homens, nem mesmo como cidadãos, mas como soldados (…) Assim que param de lutar e se rendem, deixando de ser inimigos ou instrumentos do inimigo, eles voltam simplesmente a ser homens e não há o direito de outrem sobre suas vidas.”

Tatyana Scheila Friedrich

é advogada, mestre pela UFPR, membro do Nupesul (Núcleo de Pesquisa em Direito Público do Mercosul/UFPR) e professora de Direito Internacional Público no curso de Direito das Faculdades Curitiba e nos cursos de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP.

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