Guerra contra o Iraque (IV): Os efeitos para a ONU

A Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu em 1945, na cidade de São Francisco (EUA), onde cinqüenta países, representando o novo e o velho mundo, aprovaram seu tratado constitutivo. Sensibilizados pelo contexto pós-guerra e imbuídos de anseios pacíficos, tais países optaram pela criação de uma organização mundial voltada ao desenvolvimento da cooperação internacional, uma vez que eles estavam expressamente resolvidos a “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade” (preâmbulo da Carta das Nações Unidas).

Estruturada através de órgãos especiais (Assembléia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela, Corte Internacional de Justiça e Secretariado), a ONU nasceu com o propósito de “manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim, tomar coletivamente medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz.” (art. 1o.) Coube ao Conselho de Segurança a tarefa de detectar a existência das situações de ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, bem como decidir quais medidas deverão ser tomadas nesses casos, optando pelo emprego ou não de forças armadas.

Nestes tempos atuais de iminência de uma guerra dos Estados Unidos e países aliados contra o Iraque, muito se discute sobre o futuro da ONU, que deverá ficar condicionado à decisão final do Conselho de Segurança sobre o conflito e à reação norte-americana a essa decisão..

Membros permanentes do Conselho de Segurança, França e Rússia vêm confirmando sua intenção de vetar a adoção de uma resolução autorizando o ataque armado ao Iraque. Os EUA, por sua vez, insistem na aprovação de uma resolução permissiva, embora se demonstrem, cada dia, mais decididos a iniciar o conflito, mesmo se houver o veto.

A realização do ataque sem o respaldo da ONU pode trazer conseqüências muito graves para essa organização, principalmente no que se refere a sua credibilidade, que já se encontra abalada em virtude de uma série de decisões tomadas ao longo da sua história. Além disso, há possibilidade de gerar uma enorme crise quanto a sua legitimidade, haja vista poucos Estados deterem o poder de tomar as grandes decisões que, mesmo assim, podem não ser cumpridas. E aí outro questionamento deve surgir, envolvendo então a questão da eficácia das decisões da ONU.

Apesar desse cenário pessimista, torna-se relevante observar que as divergências no Conselho de Segurança evidenciam, por outro lado, que a organização não se encontra mais unicamente a serviço dos EUA, como vinha acontecendo desde o fim da Guerra Fria. Ainda é cedo para se tirar conclusões, mas os entraves que estão acontecendo no seio da ONU atualmente podem vir a significar o resgate de sua independência e do princípio da igualdade soberana de seus membros. Eles podem revelar a preocupação da ONU com os interesses de todos os povos que formam as Nações Unidas – e que hoje clamam por paz – e não com os interesses egoísticos de um único país.

Tatyana Scheila Friedrich

é advogada, mestre pela UFPR, membro do Nupesul (Núcleo de Pesquisa em Direito Público do Mercosul/UFPR) e professora de Direito Internacional Público no curso de Direito das Faculdades Curitiba e nos cursos de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP.

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