Guerra contra o Iraque (III) – O papel da resolução da ONU

A apresentação à ONU de um projeto de resolução por parte dos EUA e Reino Unido (com apoio da Espanha), no último dia 24 de fevereiro, dando respaldo para um ataque armado ao Iraque, significa muito mais que a simples elaboração de um texto jurídico, como se verá a seguir.

Embora o presidente Bush tenha freqüentemente manifestado que a ofensiva a Saddam Hussein é inevitável e que o ataque acontecerá independentemente da autorização do Conselho de Segurança da ONU, até o presente momento isso não aconteceu e a questão da necessidade de um ato jurídico internacional emerge a todo instante.

As resoluções das organizações internacionais foram consideradas fonte de direito internacional público a partir da metade do século passado, quando aquelas organizações se consolidaram e passaram a ter uma grande atuação no cenário internacional, sobretudo na realização de suas competências normativas. Inúmeras resoluções vêm sendo expedidas cotidianamente, quer do tipo recomendações, que têm caráter meramente facultativo, como as recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT, quer aquelas do tipo decisões, com caráter obrigatório e que vinculam seus destinatários, como é o caso das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A busca do governo americano por uma resolução internacional do Conselho de Segurança que autorize o ataque ao Iraque expressa sua preocupação em possuir uma base legal para suas ações. O início da ofensiva sem um respaldo jurídico representa um perigo para os próprios Estados Unidos, uma vez que abre um importante precedente para outros países, desenvolvidos e em desenvolvimento, atuarem da mesma maneira. Se agora a ação for ilegal em relação ao petróleo, nada impede que outras ações ilegais futuras venham a ser cometidas por outros Estados, parceiros ou não do governo americano, em outras áreas internacionais, como o setor ambiental, bélico, comercial, econômico, financeiro – estes últimos de particular interesse dos Estados Unidos.

Além disso, o aparecimento de uma resolução significará também que os Estados Unidos conseguiram o apoio dos outros membros permanentes do Conselho de Segurança. Este é constituído por 15 membros, dez não-permanentes e cinco permanentes, sendo que suas decisões precisam receber o voto afirmativo de nove membros, incluídos todos os permanentes (artigo 27 da Carta da ONU). Por isso se fala num verdadeiro poder de veto dos cinco – Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China.

A importância da conquista desses outros quatro países representa muito mais para os EUA do que uma mera equação matemática. Exprime um apoio não só econômico mas também político. Além de simbolizar a repartição dos custos do próprio ataque e da futura reconstrução do Iraque, implica ainda na divisão do ônus de ser causador de uma guerra e na partilha das conseqüências de um conflito contra um povo árabe, cuja reação é muito difícil de se prever. O ataque pode aumentar o ódio na região, provocar os fundamentalistas islâmicos e estimular o terrorismo.

Com exceção do Reino Unido, os demais membros permanentes do Conselho de Segurança ainda resistem às pressões americanas. A França, com o apoio da Rússia e da China, apresentou imediatamente uma proposta que se contrapõe ao projeto norte-americano de resolução, em que incentiva o desarmamento do Iraque por meios pacíficos, principalmente através do aperfeiçoamento do programa de inspeções da ONU. Caso esses países mantenham suas posições de forma intransigente e utilizem o veto, provavelmente os Estados Unidos iniciarão os ataques do mesmo modo. Mas com tantos interesses e riscos em jogo, provavelmente os americanos tentarão até o fim conseguir uma resolução internacional.

Tatyana Scheila Friedrich

é advogada, mestre pela UFPR, membro do Nupesul (Núcleo de Pesquisa em Direito Público do Mercosul/UFPR) e professora de Direito Internacional Público no curso de Direito das Faculdades Curitiba e nos cursos de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Tuiuti. E-mail:
tatyanafriedrich@yahoo.com

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