Questões relativas à greve, interdito proibitório e a competência da Justiça do Trabalho estão enfocadas pela juíza Eliane Aparecida da Silva Pedroso, da 4.ª Vara do Trabalho de Santo André, na fundamentação de liminar em Ação Civil Pública proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas do Ramo Financeiro do Grande ABC contra dezesseis bancos da região de Santo André, SP, face a paralisação do trabalho dos bancários no país (autos n.º 01611-2006-434-02-00-8). Eis alguns itens da sentença:
1. ?Aspectos processuais. O sindicato autor representa os trabalhadores nas instituições financeiras, como são os réus, no Grande ABC e, portanto, nesta cidade, o que lhe outorga capacidade de ser parte na vertente hipótese. No que toca ao instrumento utilizado, a ação civil pública, tenho-na por suficiente e adequada à pretensão postulada, de caráter transindividual – limitada à categoria em representação -e, portanto, coletivo, incluindo-se no rol do artigo 1.º da lei 7347, de 1985, inciso IV (a qualquer outro interesse difuso ou coletivo)?.
2. ?Aspectos materiais-cognição sumária-concessão de liminar. Fatos. O reclamo central do sindicato diz respeito ao uso de medidas do direito de propriedade-interdito proibitório, especificamente para, com base na proteção do meio físico do trabalho, as agências, alcançarem os empregadores a presença de policiais à porta das agências, afastando a atividade dos grevistas, no intento de convencerem seus pares à adesão ao movimento. A greve encontra-se em andamento… Com as portas fechadas aos clientes, 130 agências bancárias… Em protesto por reajuste salarial, 3,5 mil trabalhadores aderiram à paralisação organizada pelo Sindicato… A região soma 7 mil empregados no setor… o movimento atingiu 80% da categoria no país, que totaliza 400 mil pessoas. … parte dos bancos privados recorreram ao interdito proibitório para assegurar o atendimento ao público…?.
3. ?Reivindicações. Os bancários reivindicam na data-base de 1.º de setembro 7,05% de aumento real mais a reposição da taxa inflacionária acumulada nos últimos 12 meses. Os trabalhadores exigem também PLR (Participação nos Lucros ou Resultados) sobre 5% do lucro líquido linear dos bancos distribuído de forma equitativa entre os trabalhadores mais um salário bruto acrescido de R$ 1,5 mil.Os bancários buscam ainda melhores condições de trabalho, fim do assédio moral, fim de metas abusivas, mais segurança no ambiente de trabalho e respeito à jornada diária de trabalho de seis horas.
Há, outrossim, medidas judiciais concedidas pela Justiça Estadual… em vigor, no sentido de garantir aos bancos a proteção do direito à propriedade, com o acesso de clientes e trabalhadores às agências?.
4. ?Direitos. A greve é instrumento de luta dos trabalhadores e garantia constitucional, como se lê no artigo 9.º, da Constituição da República. As matérias atinentes ao exercício da greve, a seu turno, são de competência material exclusiva da Justiça do Trabalho, como estabelece o artigo 114, II,… Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar … ?II – as ações que envolvam exercício do direito de greve?. E esta parcela da ampliação da competência tem evidente importância institucional, como ensina Maurício Godinho Delgado: ?Na mesma direção – embora aqui nenhuma dúvida fosse pertinente existir – a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ?ações que envolvam exercício do direito de greve? (art. 114, II) e os ?conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o? (art. 114, V). O avanço político, cultural, institucional e jurídico trazido pela nova emenda constitucional, no plano dos dispositivos ora citados, é simplesmente manifesto. Por meio do alargamento da competência da Justiça do Trabalho, a Carta Magna passa a reconhecer, indubitavelmente, a existência de um sistema institucional justrabalhista, como instrumento voltado à busca da efetividade do Direito do Trabalho?.
5. ?….a competência judicial especializada é elemento decisivo à existência e articulação de todo um sistema institucional voltado a buscar eficácia social (efetividade) para o ramo jurídico trabalhista. Esta busca de efetividade justifica-se em face da constatação de ter o Direito do Trabalho o caráter da mais ampla, eficiente e democrática política social já estruturada na história das sociedades capitalistas. No Brasil, esse sistema institucional estaria integrado, à luz do exposto, pela Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego (em especial, auditoria fiscal trabalhista), a par dos sindicatos e empresas, na sociedade civil. Por esta razão é que se afirmou ter a correta competência do ramo judicial especializado crucial importância para a consecução das idéias basilares de democracia e justiça social no Brasil?. ?Quaisquer aspectos que tenham a greve por conseqüência, causa ou efeito enquadram-se nesta competência, recentemente alterada por força da Emenda Constitucional 45, de dezembro de 2004. Analisar os limites, coibir excessos, garantir direitos conexos e reparar os danos que decorram do exercício da greve é atribuição constitucional da Justiça do Trabalho, de nenhum outro ramo do Poder Judiciário, venia concessa dos que aceitam a competência em análise?.
6. ?Pela evidente conexão, é bom que se diga, as ações possessórias relativas à garantia dos empresários – banqueiros – quanto ao uso e ao acesso às agências, no bojo da greve, são, por igual, de competência da Justiça do Trabalho. Alterando-se a ótica dos fatos, a concessão de medidas de direito de propriedade em face da organização do movimento de greve, estão os empregadores a fazer restituir a história hodierna a tempos muito pregressos, quando fazer greve era problema de polícia?.
7. ?Como para o exercício de quaisquer direitos, a greve exige atenção aos limites do espaço da cidadania, como também atenção às regras específicas (lei de greve) e genéricas (o ordenamento, inclusive no que toca à propriedade e ao dever de indenizar danos causados). Hoje, impensável que se solucione qualquer greve com o chamamento da polícia. Não se argumente com a alegação de que a presença da polícia faz-se com o objetivo de garantir o livre exercício de propriedade dos bancos, porque a tão-só aparição da força policial gera, ao menos, dois efeitos graves: inibe a aproximação dos grevistas e incentiva a associação do movimento com ato de ilegalidade, o que, absolutamente, é reprovável no ambiente democrático. Necessário, pois, que se restabeleçam os limites para o exercício da greve, pena de se ver, por via oblíqua, rejeitada a validade de comando constitucional (artigo 9.º, da Carta Maior)?.
8. ?A greve é concreta negação do cumprimento do contrato, porque os trabalhadores, contratados para trabalhar, negam-se a fazê-lo, concertadamente, como se extrai do conceito do instituto. Inicie-se, pois, por relembrar que significa reversão da ordem. Não ausência de ordem -desordem – mas reversão da organização ordinária do funcionamento do estabelecimento. Fere, pois, obrigações contratuais, inexigíveis no curso da paralisação e submissíveis, em seu mérito, ao dissídio de greve, se vier a ser instaurado?.
9. ?Não podem os grevistas interditar o acesso às agências bancárias, porque isto violaria o direito de ir e vir dos demais cidadãos – clientes e trabalhadores não grevistas. Igualmente não podem os empregadores isolar a entrada das agências por meio de força policial ou de segurança privada (como indica a inicial, f. 14, último parágrafo). A entrada dos grevistas no estabelecimento, que é estabelecimento de livre ingresso público, também não pode ser, de antemão restringida. Isto não autoriza a depredação dos equipamentos ou o ataque à propriedade do empreendedor. Inegável, no entanto, que o acesso, para as ações de convencimento dos trabalhadores, precisa ser assegurada e não pode ser obstada sob o pretexto de garantia do direito de posse?.
10. ?A participação da polícia -da força pública- nos eventos de greve limitam-se à regular atividade desta força estatal, isto é, sua presença corresponderá a violação de direitos ou à prevenção de tal violação, quando evidente ameaça permear a ação de quem quer que seja. Repito, de antemão, não pode a polícia por-se à frente de agências bancárias, apenas sob o pretexto de assegurar o funcionamento do estabelecimento, fato que a greve busca impedir. Seria, por fuzil, enfrentar a letra da Constituição. Durante a greve, o empregador não pode impingir sanções disciplinares, nem demitir-ou ameaçar demitir os trabalhadores?.
11. Liminar: ?Do quanto exposto, em cognição sumária, decido conceder parcialmente a liminar (artigo 12, da LAC) para: 1. declarar a exclusiva competência da Justiça do Trabalho para apreciar quaisquer fatos decorrentes do exercício do direito de greve da categoria representada pelo autor; 2. proibir a presença, a priori, de força pública ou segurança patrimonial às portas das agências, como instrumento de inibição das atividades grevistas, ressalvadas as hipóteses de intervenção policial necessária, por evidência de dano ou ameaça contra direitos dos cidadãos; 3. determinar que os empregadores permitam a entrada nas agências em funcionamento, dos participantes da greve, que deverão respeitar os limites do direito de propriedade, abstendo-se de utilizar-se de equipamentos de som ou semelhantes no interior das agências e preservando a incolumidade física dos clientes e trabalhadores não grevistas; 4. determinar que os empregadores não impeçam a realização de atividades dos grevistas, em prol do movimento de convencimento dos trabalhadores, às portas das agências, resguardado o direito de acesso ao estabelecimento?.
Edésio Passos é advogado. E.mail:edesiopassos@terra.com.br


