Governo omisso

Embora aparentemente tranqüila, a questão fundiária no Paraná é um barril de pólvora. Vinte e duas ordens judiciais de reintegração de posse, algumas ainda de 1997 ou 1999, continuam sem cumprimento. Isto significa dizer que a violação do direito de propriedade não é levada a sério pelo governo do Estado do Paraná que, alegando razões como a de não criar novos conflitos, está sujeito a sofrer intervenção federal.

Tomadas isoladamente, são ponderáveis as razões do governo do Estado. O assessor especial para assuntos fundiários, Antônio Carlos Coelho, afirma que o governo só vai remover as famílias que invadiram áreas de terceiros quando o governo federal disponibilizar as terras para o assentamento, “pois cabe a ele a reforma agrária”. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por sua vez, diz que a culpa é da burocracia para desapropriar ou comprar áreas para assentamentos.

Segundo Coelho, um processo rápido de compra de uma área demora pelo menos cinco meses. Seriam necessários cerca de oitenta mil hectares para atender à demanda emergencial, calculada entre três mil e quinhentos e quatro mil famílias. A aquisição de trinta e seis mil hectares – conforme explica o assessor – já teria andado metade do percurso. “Para o restante – isto é, para os outros mais de quarenta mil hectares – falta tudo”. O que significa dizer que o governo nem começou ainda. Esta é a situação da burocracia.

Mas tais razões perdem sentido quando, do outro lado – os proprietários invadidos – obtém na Justiça o reconhecimento de seus direitos e, esgotados todos os recursos, aguardam o cumprimento da sentença. Flávio Pinheiro de Almeida, proprietário da Fazenda Corumbataí, no Vale do Ivaí, é um deles. Sua fazenda foi invadida em 1977. Dois meses depois ele estava de posse de uma ordem de reintegração até hoje não cumprida. Duzentas e cinqüenta famílias ocupam suas terras ilegalmente desde então, tudo porque “o governo se recusa a cumprir o mandado de reintegração”. Ele qualifica a posição do governo de “caprichosa”.

Quando a lei, ou as decisões judiciais não são cumpridas, há sempre o perigo de que a força prevaleça sobre a razão. É o caso dessas terras invadidas. A omissão do governo está engendrando uma bomba social, cujas dimensões podem ser imprevisíveis. E não se diga que a culpa é do governo estadual ou federal. Governo é governo e compete aos agentes das duas esferas promover o entendimento, agilizando o processo.

É público e notório que o Movimento dos Sem Terra cresceu à custa das falhas e omissões do governo – e não apenas aquelas relativas à morosidade na execução da reforma agrária. Não se trata de advogar a insensibilidade para movimentos sociais, mas a democracia exige o respeito às normas vigentes, e a ação dura e firme do Estado para que elas prevaleçam. O contrário disso, é sinônimo de bagunça. A burocracia alegada pelo Incra não tem razão de ser, assim como também não têm razão de ser os motivos alinhavados pelo governo do Estado.

Voltar ao topo