Governabilidade e fisiologismo

Como diria o médico e ministro da Fazenda Antônio Palocci Filho, examinando o tônus do sistema de apoio parlamentar do governo Lula, podemos desconfiar que há falta de densidade óssea. Talvez risco eminente de osteoporose na representação híbrida conseguida na Câmara e no Senado Federal, em nome da governabilidade e graças ao fisiologismo e à negociação. Negociação que, na verdade, é um toma lá-dá cá, política que foi condenada pela oposição no governo Fernando Henrique Cardoso. Essa barganha vai desde a troca de cargos por apoios, até concessões a governadores, na reforma tributária, para obter votos em pontos discutíveis da reforma da Previdência.

O fisiologismo é a tísica moral e política que mais aproxima adversários de ontem do governo de hoje. E os aproximará também dos governos futuros, pois há políticos que têm a espinha flexível e são capazes de se curvar até o ponto em que ficam à mostra suas partes glúteas. Essa classe existe, existiu e existirá no futuro, enquanto o eleitorado não puder, em exames profundos e acurados, identificar os que trazem o vírus do fisiologismo no sangue. Pior de tudo é que hoje há até partidos políticos com vocação fisiológica, ou seja, colônias de virulentos políticos em busca do ambiente do poder para se aninhar.

O aparente apoio parlamentar a Lula tem um custo alto por ser relativamente frágil. Ele já sofre um sério abalo quando um numeroso grupo de petistas ortodoxos insurge-se contra os câmbios dos donos do poder que praticam políticas econômico-financeiras que sempre condenaram. E propõem reformas que sempre rejeitaram. Agora, surge uma nova e séria ameaça. Vocacionado para o poder porque já foi o maior partido político do Ocidente, o PMDB de gloriosa história inchou-se após ser a principal tropa de redemocratização do País. Pela porta da frente, mas também pela porta dos fundos, entraram no partido de Ulisses Guimarães muitos noviços que nunca haviam rezado por sua cartilha e luta nenhuma travaram pela redemocratização. Inchado, o PMDB acabou vendo reduzido o seu poder e alijado de postos mais importantes que ocupou: a Presidência da República e a maioria dos governos estaduais.

Alguns peemedebistas, por motivos ideológicos, como é o caso do governador Roberto Requião, e muitos, por razões fisiológicas, acabaram firmando adesão ao governo Lula. Apoio que se mostra hoje bastante frágil. Com 68 deputados federais e 23 senadores, sua bancada no Congresso é essencial para a governabilidade. E indispensável para a aprovação das reformas. Mas a posição moralizadora do PT de Brasília, insistindo na cassação do mandato do governador Joaquim Roriz, réu em um sem-número de processos e acusado de abuso do poder econômico no último pleito, quando foi reeleito, está fazendo tremer o apoio peemedebista ao governo. O PT do Distrito Federal é contra Roriz por razões morais e objetivos práticos. Se Roriz for cassado, assume Geraldo Magela, que foi candidato petista. A cúpula do PMDB, pressionada por Roriz e através da interveniência do presidente do Senado Federal, José Sarney, divulgou uma nota ameaçando romper com o governo Lula caso insistam em cassar o governador do Distrito Federal.

O recuo exigido é muito importante politicamente e, para negociá-lo, haja fisiologismo e haja toma lá-dá cá. A base parlamentar de sustentação de Lula está mais uma vez ameaçada.

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