Golpe à vista

O tardio debate sobre o novo salário mínimo de R$ 260 está revelando à nação aquilo que pode ser entendido como mais uma tentativa de golpe contra os que, de fato, dependem da mixaria constitucional. Enquanto, de um lado, o presidente Lula avança na promessa de arrumar condições para que o salário mínimo possa ser “muito melhor do que já foi em qualquer momento da história do Brasil”, seu principal ministro – José Dirceu – afirma que, embora ele preferisse R$ 300, o valor que foi concedido é uma “audácia” e defende a desvinculação do salário mínimo dos benefícios concedidos pela Previdência Social. Audácia maior, de fato, não precisa.

É idéia antiga e pouco original. Mas o governo estaria livre, assim, para conceder aumentos maiores, bem acima dos R$ 300 também defendidos por alguns no Congresso Nacional, para onde foi a medida provisória assinada às vésperas do 1.º de Maio. O próprio presidente Lula, sem fazer menção clara à idéia defendida pelo “capitão do time”, que aos poucos está voltando à cena, falou no programa de rádio Café com o Presidente que o problema reside aí: “Temos um problema entre os trabalhadores da iniciativa privada e os trabalhadores aposentados e que recebem da Previdência Social. Para os trabalhadores da iniciativa privada – disse textualmente – você poderia decretar o mínimo de R$ 400, R$ 450, porque muitas empresas já pagam isso, ou mais”. Para os outros…

No primeiro pronunciamento em que justifica a decretação do mínimo minimorum, o presidente Lula fez questão de falar em responsabilidade. Disse que não poderia aumentar o rombo da Previdência, este ano estimado em R$ 31 bilhões. “É humanamente impossível imaginar que poderia ser diferente”, aduziu. Um valor maior “seria total irresponsabilidade” do governo, que sabe que não tem dinheiro para pagar mais. Entretanto, “temos consciência de que o salário mínimo é pequeno” e “sabemos que é preciso que o povo tenha um pouco mais”.

Meditando sobre o caso, chega-se à nada interessante conclusão de que o Planalto prepara um terrível golpe contra os aposentados da nação, já correndo atrás de um prejuízo total de quase treze bilhões de reais que vem ainda dos velhos tempos da URV – o protótipo de dinheiro que acabou na moeda atual. A desvinculação do salário mínimo da Previdência Social deixaria Lula livre e desimpedido para cumprir sua promessa de dobrar o valor do mínimo em quatro anos de mandato. Quer saída melhor? Mas, falando sério: entre a irresponsabilidade primeira referida por Lula e esta, referida pelo ministro José Dirceu, qual seria a pior?

Saindo do terreno das suposições, o dado objetivo é que Lula começa uma péssima colheita em termos políticos. Depois de ter semeado a esperança com semente fácil, percebe que nem tudo nasce como esperava. Nem mesmo a velha e apregoada capacidade sua de negociador emérito está conseguindo avanços. Os funcionários públicos ameaçam greve geral, depois de o Planalto não ter conseguido sair-se bem da greve da Polícia Federal que durou quase dois longos meses. O mesmo se pode dizer dos funcionários da Previdência e da Receita Federal, que confirmam a tese segundo a qual no Brasil só faz greve quem ganha bem e o Estado, leniente, não consegue sequer impor o respeito necessário às filas de miseráveis que lhe batem às portas. Agora já se fala em nova paralisação do pessoal da Receita Federal, atrasando também a restituição do Imposto de Renda devido aos (esse é o conceito emitido por Lula dias atrás) “felizardos” que ganham para pagar IR…

Em que pese tudo isso e muito mais que advém do lado dos sem-terra e sem-teto, livres para invadir, o governo dos discursos sociais não pode deixar prosperar essa proposta de desvinculação do salário mínimo da Previdência Social, mesmo e a despeito de ela favorecer, na outra ponta, o cumprimento da promessa de dobra do valor do mínimo em quatro anos. Seria uma espécie de obra-prima às avessas de Lula, o metalúrgico criado politicamente nas portas de fábricas e ele próprio um aposentado.

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