Foro privilegiado. Remessa dos autos aos tribunais. Nulidade “ab ovo” do processo. Impossibilidade de aproveitamento dos atos probatórios. Inteligênciado art. 564, I do CPP. Incompetência absoluta. Necessidade de ratificação da inicial e nova citação.

Como se sabe, a Lei 10.628/02, alterou o art. 84 do Código de Processo Penal, passando a garantir o foro especial – devido à prerrogativa de função – às autoridades que respondem a processos criminais e por atos administrativos, mesmo após terem deixado seus cargos.

Como efeito imediato da nova lei é a obrigatória remessa dos autos para os tribunais das ações em andamento perante a Justiça de 1.º grau.

Em cumprimento ao princípio do juiz natural, garantido constitucionalmente, ninguém será processado ou julgado senão pelo juiz indicado previamente pela lei ou pela própria Constituição. Assim é fundamental que as regras de competência sejam observadas, sob pena de nulidade.

O primeiro questionamento jurídico a ser enfrentado pelos tribunais é se podem ou não ser aproveitados os atos até agora praticados pelo juízo, agora considerado incompetente.

Ao que parece a questão é de simples solução, senão vejamos: A regra do art. 576 do Código de Processo Penal estabelece que: “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”.

No entanto, tal disposição legal não se aplica aos casos de prerrogativa de foro. É que a referida regra processual refere-se exclusivamente à incompetência de juízo (ou seja, de juízo para juízo), ao passo que a nova lei trata de incompetência de jurisdição (da comum para especial), e, por conseqüência, indica a incompetência absoluta.

Sobre a anulação de atos decisórios, ensinam Grinove, Magalhães e Sacarance que: “agora, em face do texto expresso da Constituição de 1988, que erige em garantia do juiz natural a competência para processar e julgar (art. 5.º, LIII, CF), não há como aplicar-se a regra do art. 567 do Código de Processo Penal aos casos de incompetência constitucional: não poderá haver aproveitamento dos atos não-decisórios, quando se tratar de competência de jurisdição, como também de competência funcional (hierárquica e recursal), ou de qualquer outra, estabelecida pela Lei Maior”(1).

E, por conta disso, defende Antonio Fernandes Scarance(2) que: “se um processo correu pela Justiça Militar castrense, sendo os autos remetidos à Justiça Comum, perante esta o processo deve ser reiniciado, não sendo possível o aproveitamento dos atos instrutórios”.

No mesmo sentido, ensina Guilherme de Souza Nucci(3):

“A doutrina vem sustentando o seguinte: em se tratando de competência constitucional, a sua violação importa na inexistência do ato e não simplesmente na anulação (ex: processar criminalmente um promotor de justiça em uma Vara comum de primeira instância, ao invés de fazê-lo no Tribunal de Justiça). No mais, não sendo competência prevista diretamente na Constituição, deve-se dividir a competência em absoluta (em razão da matéria e de foro privilegiado), que não admite prorrogação, logo, se infringida é de ser reconhecido o vício como nulidade absoluta (art. 564, I do CPP)”.

Conclui-se, portanto, que somente em casos de competência relativa (territorial), pode-se aproveitar os atos instrutórios, anulando-se os decisórios. Desta forma, os processos a que se refere a nova lei, ao serem recebidos pelos tribunais devem ser remetidos ao Ministério Público que poderá ratificar ou emendar a inicial propondo, obrigatoriamente, nova citação dos imputados.

Notas

(1) As nulidades no Processo Penal, p. 45/46.

(2) Processo Penal Constitucional, p. 118

(3) Código de Processo Penal Comentado – São Paulo , Editora RT, 2002, pág. 802.

Antonio Carlos de Andrade Vianna

é advogado criminalista em Londrina/PR, vice-presidente da Acrilon/RM – Associação dos Advogados Criminalistas de Londrina e Região Metropolitana.

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