Foro especial nos casos de improbidade administrativa: prefeito não pode ser julgado em primeira instância

A fixação de foro especial por prerrogativa de função (que a mídia chama de “foro privilegiado”) sempre existiu no direito brasileiro. Não é novidade. A Constituição Federal fixa inúmeras regras nesse sentido (Presidente da República, nos crimes comuns, é julgado pelo STF; Deputado Federal idem etc.). Quando o crime é cometido durante o exercício das funções, deve ser julgado pelo foro especial constitucionalmente previsto.

E depois de cessada a função como fica a questão da competência? Desde que se trate de crime cometido durante a função e em razão da função, prepondera o foro especial (Lei 10.628/02). O foro perdura, ainda que terminado o exercício da função, mas é preciso que o crime seja funcional (leia-se: cometido não só durante a função, senão no exercício da função).

A grande novidade trazida pela citada lei (Lei 10.628/02) foi que estendeu o foro especial também para os casos de improbidade administrativa (que retrata situações de má gestão da coisa pública). Isso não é da tradição do nosso direito. Nesse ponto a lei referida, ao inovar completamente nosso ordenamento jurídico, gerou grande polêmica (ainda não solucionada definitivamente). Há ADI no STF sobre o assunto (ADI 2.797-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence). O STJ vem entendendo que a lei é constitucional (APn 282-AC, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, julgada em 4/2/2004). Mas a última palavra, nesse tema, cabe ao STF.

Quem goza de foro especial por prerrogativa de função vem sustentando que a lei é válida, que deve ser observada em sua integralidade etc.. Particularmente os Prefeitos Municipais de todo país, julgados por juízes de primeira instância, vêm questionando essas decisões.

Na Reclamação 2.381-AgR-MG, rel. Min. Carlos Britto, ficou assentado o entendimento de que, por ora, todos os órgãos jurisdicionais brasileiros devem respeitar a constitucionalidade da Lei 10.628/02. Com isso, de fato, Prefeitos Municipais (ou outras autoridades que gozam de foro especial) não podem ser submetidos a julgamento perante juízes de primeira instância. Isso vale para crimes comuns e também para casos de improbidade administrativa.

Até que o Plenário do STF venha a decidir a questão de modo definitivo, impõe-se respeitar a posição tomada pela Corte Suprema (até esse momento). Ações de improbidade administrativa devem tramitar pelo Tribunal competente, não pela Justiça de primeiro grau.

Na Medida Cautelar em Reclamação n.º 2.657-4- (PR), o Min. Celso de Mello enfatizou, com a clareza que lhe é peculiar, o que segue:

“… enquanto não sobrevier o julgamento final da ADI 2.797/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (e não se registrar a eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 84, § 2.º, do CPP, na redação dada pela Lei n.º 10.628/2002), nenhum órgão do Poder Judiciário poderá deixar de aplicar o referido diploma legislativo, considerada a relevantíssima circunstância – sempre enfatizada pela jurisprudência deste Tribunal (RTJ 66/631 – RTJ 131/470-476, v.g.) … de que se presumem constitucionais, ainda que “juris tantum”, os atos emanados do Poder Público. Isso significa, portanto, tendo-se presente o contexto ora em exame, que, tratando-se de Prefeito Municipal, compete, originariamente, ao Tribunal de Justiça, a atribuição de processar e julgar a ação civil pública por improbidade administrativa, até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheça, em caráter definitivo, a constitucionalidade, ou não, da Lei n.º 10.628/2002 (ADI 2.797/DF)”.

Luiz Flávio Gomes

é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, consultor e parecerista e diretor-presidente da TV Educativa IELF (1.ª TV Jurídica da América Latina com cursos ao vivo em SP e transmissão em tempo real para todo país –
www.ielf.com.br).

Voltar ao topo