Fome e verbas zero

Não são os miseráveis que causam a violência nos grandes centros. A miséria é que é uma das principais causas, embora não a única. E as migrações de populações muito pobres, inchando as grandes cidades em busca de trabalho para a sobrevivência, é um direito. Condenar, por exemplo, as migrações de nortistas e nordestinos para grandes cidades do Sul do País é preconceito, mas, pior do que isso, conceito de que este não é um direito daqueles brasileiros que buscam sobreviver. Ideal seria que em suas próprias regiões conseguissem melhores condições de vida, pois amontoados em megalópoles, passando fome e vendo seus filhos definharem, alguns não resistirão e é possível (e explicável) que busquem salvação na marginalidade. Mas não é por serem migrantes. Poderiam ser de qualquer parte do mundo, que o indesejável, porém indescartável, resultado seria o mesmo. As condições socioeconômicas das pessoas influem no seu comportamento. E, no mais, a criminalidade também acontece entre as camadas mais bem aquinhoadas da população.

Por isso, foram amplamente condenadas as infelizes declarações do ministro da Segurança Alimentar, José Graziano, atribuindo a violência nas grandes cidades à migração nordestina. Ele tentou consertar dizendo que foi mal interpretado, mas mesmo assim acaba de merecer da Câmara Municipal de Recife o título de “persona non grata”. Graziano é o comandante do programa Fome Zero e, sem dúvida, seu maior pecado, ou do governo ao qual serve, está longe de ser uma equivocada declaração interpretada como preconceituosa.

É preciso prever, para prover. E esse programa, que merece aplausos daqui e de todo o mundo, careceu de previsão. E, paradoxalmente, de um programa.

Diriam os que tentam implementá-lo que o orçamento brasileiro deste ano foi elaborado pelo governo anterior. Daí o Fome Zero patinando porque o dinheiro para sustentá-lo também é zero. Ou próximo de zero.

Mas as prefeituras de Ribeirão Preto, Bebedouro, Rincão, Franca, São Carlos e Araraquara, no interior de São Paulo, praticamente todas geridas por prefeitos do PT, estão lançando seus programas Fome Zero sem dinheiro. Nada foi previsto em seus orçamentos para sustentar tais programas. Procuram socorrer-se em iniciativas privadas ou programas assistenciais preexistentes, para poder usar a grife Fome Zero sem dinheiro público comprometido com o objetivo de alimentar populações carentes.

No plano nacional, tem-se a impressão de que o programa Fome Zero não deslanchou. Houve muito alarde sobre ser ele o primeiro e principal passo do governo Lula. Houve reuniões políticas, cerimônias e verdadeiros comícios nos municípios selecionados para dar a partida, o que ocorreu ontem, no Piauí.

Mas, até agora, há muito mais fome do que providências concretas para debelá-la. Parece-nos que por causa da falta de previdência, providências, planejamento e instrumentos capazes de facilitar a particulares a colaboração, enquanto o poder público busca os seus próprios caminhos.

Melhor que inventar e apregoar o Fome Zero como bandeira de campanha eleitoral (que parece que nunca termina), seria pegar algum desses programas já existentes, mesmo que limitado, porém já organizado e experimentado e, se necessário, melhorá-lo. E, na medida do possível, ampliá-lo para que venha a atingir, espacialmente, todo o País, tendo como clientela todos os que passam fome em nosso território.

Voltar ao topo