Filósofo italiano Norberto Bobbio morre aos 94 anos

“A chi un giorno mi chiedeva con quale brano di uno dei miei scritti amerei definirmi, indicai la conclusione della prefazione di ‘Italia civile’: ‘Dalla osservazione della irriducibilità delle credenze ultime ho tratto la più grande lezione della mia vita. Ho imparato a rispettare le idee altrui, ad arrestarmi davanti al segreto di ogni coscienza, a capire prima di discutere, a discutere prima di condannare. E poiché sono in vena di confessioni, ne faccio ancora una, forse superflua: detesto i fanatici com tutta l’anima”.

Norberto Bobbio (1909-2004)

Roma

– O filósofo, pensador e senador vitalício Norberto Bobbio, 94 anos, considerado um dos maiores intelectuais da Itália, morreu no último dia 9, em Turim, Itália.

O filósofo, conhecido por suas posições de esquerda, entrou em coma irreversível na noite anterior e respirava graças à ajuda de aparelhos.

No final de dezembro suas condições de saúde haviam se agravado em decorrência de uma infecção pulmonar. Bobbio foi internado no dia 27 de dezembro.

O filósofo, viúvo recentemente, depois de 60 anos de casamento, foi profundamente afetado pela morte no mês de outubro de Alessandro Galante Garrone, filósofo e historiador, seu grande amigo. Nascido em Turim a 18 de outubro de 1909, doutor em Filosofia, Bobbio era professor benemérito da Universidade de Turim, onde deu aulas de Filosofia do Direito, Ciências Políticas e Filosofia da Política durante várias décadas.

Bobbio era senador vitalício há 20 anos, nomeado pelo então presidente Sandro Pertini, e era considerado um dos filósofos mais importantes do século XX, especializado em Direito e Política.

Em 1975, o intelecual italiano iniciou em seu país um debate sobre socialismo, democracia, marxismo e comunismo, que influenciou as novas gerações de toda Europa.

Memória e Política

O livro do jurista italiano Norberto Bobbio, intitulado “De Senectute”, foi traduzido no Brasil como “O Tempo da Memória”(Editora Campus, 1997), prefaciado pelo ex-ministro Celso Lafer. Na sua obra autobiográfica, Bobbio fala de si mesmo – coisa rara – “não como professor, mas como velho”. O primeiro texto do livro data de 1979, quando ele estava com setenta anos. Viveu mais vinte e cinco anos. É leitura obrigatória. Em sua extensa obra, Bobbio transitou da teoria geral do direito à teoria geral da política para, na união das duas, desembocar na teoria geral da justiça. No ver de Rubens Ricupero “sua posição era de negação total em relação ao fascismo, antiliberal em política e anti-socialista em economia”(Folha de S.Paulo, 10.01.04).Vale a pena revisitar alguns dos títulos publicados no Brasil neste momento de definições de governo e de vida política, em especial a sua “Teoria Geral da Política”, ou magnífico pequeno grande “Direita e Esquerda-razões e significados de uma distinção política”. Neste estudo, Bobbio escreveu: “É incontestável que, hoje, uma das razões da desorientação da esquerda vem do fato de que no mundo contemporâneo emergiram problemas que os movimentos tradicionais da esquerda jamais se tinham posto, ao mesmo tempo em que perderam validade alguns dos pressupostos sobre os quais haviam se apoiado não só o próprio projeto de transformação da sociedade mas também a sua força. Eu mesmo já insisti várias vezes sobre isso. Nenhuma pessoa de esquerda (sinistrorso) pode deixar de admitir que a esquerda de hoje não é mais a de ontem. Mas, enquanto existirem homens cujo empenho político seja movido por um profundo sentimento de insatisfação e de sofrimento perante as iniqüidades das sociedades contemporâneas – hoje talvez menos ofensivas do em que épocas passadas, mas bem mais visíveis -, eles carregarão consigo os ideais que há mais de um século têm distinguido todas as esquerdas da história” (in “1995, resposta aos críticos”, escrito em Turim, outubro de 1994, integrando a edição brasileira de “Direita e Esquerda”. Editora Unesp, 1995).

Edésio Passos

Norberto Bobbio e o século XX

Orlando Tambosi

O filósofo italiano Norberto Bobbio nunca gostou de falar de si próprio, mas o cerco feito pelo jornalista Alberto Papuzzi, do La Stampa – quotidiano de Turim em que sempre colaborou -, acabou por demovê-lo. A ele abriu seus arquivos, escritos e cartas pessoais, alinhavados numa série de entrevistas que durou um ano. O resultado está no Diário de um século (Autobiografia), com prefácio de Raimundo Faoro à edição brasileira e incluindo um caderno de fotos do autor (Editora Campus).

De Bobbio, quase todas as obras foram traduzidas no Brasil. A abrangência é vasta: da filosofia do direito à ética, da filosofia política à história das idéias, sem esquecer os grandes debates contemporâneos, invariavelmente analisados com lucidez, elegância e coerência filosófica. Permeadas, nesta sincera autobiografia, com as emoções de um pensador que viveu as contradições e angústias do nosso século, que, conforme diz, “talvez venha a ser lembrado como o mais cruel da História”, com suas guerras mundiais (contra os impérios centrais, contra o nazi-fascismo e a guerra fria contra os Estados comunistas).

Bobbio admite que a democracia resistiu a todas elas, mas a vitória não é definitiva. Aliás, “numa visão laica (não mítico-religiosa), liberal e realista (não totalizadora e utópica) da história, nada é definitivo”. A dúvida de Bobbio – a quem alguns consideram ser pessimista em relação à forma de governo democrática – é sobre se a democracia se expandirá ou, ao contrário, caminhará para uma gradual extinção.

Na Ásia, por exemplo, ganham força regimes que “nos fazem pensar no despotismo esclarecido das monarquias absolutistas do século XVIII”, lamenta o filósofo. E acrescenta: “No despotismo iluminado de ontem e de hoje, a figura do homem servo, mas feliz, substitui aquela que nos é mais familiar através da tradição do pensamento grego e cristão do homem inquieto, mas livre. Qual das duas formas de convivência está destinada a prevalecer no futuro próximo, ninguém está em condições de prever”. Podemos dizer que, se conhecesse de perto a realidade latino-americana, Bobbio afundaria de vez no pessimismo…

Em 1989, ano do desmoronamento do comunismo, ele já alertava para os desafios que permaneciam para a democracia. Nada de “fim da História”, como supôs o historiador nipo-americano Fukuyama. Num mundo de “espantosas injustiças”, diz Bobbio, não se pode pensar que a “esperança de revolução” tenha morrido “só porque a utopia comunista faliu”. E a questão que ele então formulava continua aberta: “estarão as democracias que governam os países mais ricos do mundo em condições de resolver os problemas que o comunismo não conseguiu resolver? A democracia venceu o desafio do comunismo histórico, admitamo-lo. Mas, com que meios e com que ideais dispôe-se a enfrentar os mesmos problemas que deram origem ao desafio comunista?” (Lutopia capovolta, Turim, La Stampa, 1990).

A mesma preocupação, de resto, conduziria o filósofo a mais uma de suas muitas polêmicas, em 1994, no calor do debate eleitoral italiano: a dicotomia Esquerda/Direita sobrevivia, apesar de muitos a declararem morta. E sobrevivia numa distinção fundamental: “a diversa postura que os homens organizados em sociedade assumem diante do ideal de igualdade” – tendo a esquerda vocação igualitária e a direita, inigualitária (Direita e Esquerda. Razões e significados de uma distinção política, SP, Edit. da Unesp, 1995).

O mestre e suas polêmicas

Nascido em 1909, Norberto Bobbio é, de fato, uma testemunha do século (do qual traçou uma história concisa em Profilo ideologico del Novecento, Milão, Garzanti, 3a. ed., 1992). Participou ativamente das grandes transformações de seu país, equilibrando-se entre o liberalismo e o socialismo (posição nascida do liberal-socialismo de Guido Calogero) e, neste escrito autobiográfico, não esconde sequer uma constrangedora carta enviada ao ditador Mussolini, na juventude, em uma época em que “o fascismo, na verdade, já fazia parte do cotidiano dos italianos”.

Bobbio recorda, também, os anos da Resistência antifascista (“aqui estão as raízes da nossa democracia”), a passagem pelo Partido da Ação (que recolhia a herança de Piero Gobetti e Carlo Rosselli), a “descoberta da democracia” e o permanente diálogo com os comunistas do PCI (hoje Partido Democrático da Esquerda), em que via “não adversários, mas interlocutores”. Há ainda um capítulo sobre “paz e guerra”, que resume as idéias de Bobbio sobre política internacional (o problema da guerra, os caminhos da paz e do pacifismo como uma atividade política).

Com esse espírito de diálogo, tentando sempre reconhecer “as razões que podem ter as pessoas com idéias diferentes” das suas, é que Bobbio empenhou-se em diversas “batalhas políticas”. Polemizaria com Togliatti – o líder político que difundiu o pensamento de Gramsci – e com Galvano Della Volpe, estudioso que identificou em Marx uma profunda ligação com o idealismo hegeliano (nas célebres discussões sobre a dialética, uma originalidade do marxismo italiano) e crítico severo, já nos anos 50, dos ataques românticos da Escola de Frankfurt contra a ciência e a técnica. O livro Politica e cultura (Turim, Einaudi, 1a. ed., 1955, relançado em 1977), que recolhe as intervenções de Bobbio, é prova dessa sua disposição ao “diálogo civilizado com todos”.

Mas é de sua vida como professor que o filósofo lembra com mais carinho. Foi esta, segundo ele, a sua principal atividade (“durante a maior parte da minha vida desempenhei, portanto, duas tarefas dificílimas: ensinar e escrever”), e foi nesse período que aprofundou seus estudos sobre o jurista Hans Kelsen (inspirador de sua concepção da democracia como sistema de regras que permitem a convivência livre e pacífica) e sobre o filósofo Thomas Hobbes (idéias hobbesianas como o individualismo, o contratualismo e a idéia de paz através da constituição de um poder comum contribuíram – como ele próprio reconhece – para a formação de seu pensamento político). Deste último, herdou também um “certo pessimismo quanto à natureza humana e quanto à História”.

Convicto há longo tempo de que não há soluções definitivas, Bobbio vale-se de metáforas para caracterizar a História. Ora representa-a como “uma imensa floresta na qual não há uma única estrada previamente traçada, e na qual não sabemos nem mesmo se há uma saída”, ora compara-a a um labirinto, sua imagem preferida. “Acreditamos saber”, diz o filósofo, “que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la por nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum”.

Bobbio encerrou suas atividades docentes (a que dedicou 40 anos) em 1979, aos 70. Na anotação de um jornalista que assistiu a aula de despedida, o testemunho da serenidade do velho mestre: “A última aula, em 16 de maio, uma terça-feira. Sobre a mesa, um grande buquê de flores, com o cartão: De seus alunos do último curso. Bobbio cita Max Weber: A cátedra universitária não é nem para os demagogos, nem para os profetas. Entrevistado por La Stampa, o professor declara: A última aula é um fato natural, previsível. Na vida somos pegos de surpresa apenas por acontecimentos extraordinários”.

“Despedida” é, também, o último capítulo desta autobiogafia, “diário” de um pensador que se arrepende de jamais ter escrito um diário. Seguramente, entre as visões do século que se encerra, “o lugar de honra está reservado”, nas palavras de Faoro, “ao depoimento pessoal de Bobbio, com a apaixonada procura de si mesmo, consumada na velhice, não porque tivesse alcançado a inatingível verdade, mas porque esta é a última verdade que o sentimento da morte iminente lhe permite”. Pois, como sublinha o próprio autor, “a velhice é indissolúvel do seu sentido de fim”.

Orlando Tambosi

é professor de Filosofia e Ética do Curso de Jornalismo da UFSC. Norberto Bobbio e o século XX

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