Falta afinação

O presidente Lula disse, dias atrás, que não se importa com as opiniões divergentes manifestadas por seus ministros. Cada um é livre para dizer o que pensa, filosofou. O governo, quando pretende tomar posição sobre algo, se reúne e aí, sim, decide o que fazer e não o que dizer. Lula se referia aos primeiros desencontros ocorridos entre seus auxiliares, antes mesmo da célebre caravana da fome.

É até simpático da parte do presidente expressar-se assim. Não fica parecendo, logo no início do governo, que ele está puxando a orelha de alguém. Mas há que se fazer as devidas ressalvas, principalmente quando as contradições avançam para terreno mais importante que a simples opinião sobre a construção de uma bomba ou detalhes sobre o que fazer primeiro no programa de combate à fome.

Por exemplo: o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, tem repetido à exaustão que não haverá revisão dos contratos que selaram a renegociação das dívidas dos estados, alguns deles de novo de pires na mão devido a descontrole nos gastos ou imprevidências notórias. Palocci tem-se mantido firme mesmo quando correligionários seus – isto é, do PT – alegam estar num beco sem saída. ?Não há possibilidade de se abrir negociação de dívidas de estados, é preciso que isso seja compreendido?, advertiu na última segunda-feira, acrescentando que isso ?não é possível, não é desejável do ponto de vista das contas públicas?.

Um dia depois dessas declarações, e no meio do tiroteio promovido por estados como Rio de Janeiro e Espírito Santo, sem dinheiro para pagar a folha de pessoal atrasada, vem a público o já conhecido ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, para dizer para quem quisesse ouvir na televisão que a história não é bem assim; que deveria haver um jeito, sim, de resolver problemas emergenciais; que, enfim, o governo federal deve ser sensível aos reclamos dos governadores, e coisas do gênero. Ouvindo-se Amaral, qualquer cidadão tem o direito de realizar a pergunta sobre quem comanda o governo. Ou, pior, de que governo fala o ministro.

Sabe-se que o jogo duro estabelecido por Palocci tem a ver com metas fiscais, controle da inflação, controle do câmbio e coisas que mexem com o dia-a-dia da economia das pessoas. Presume-se também que ele esteja falando em nome do governo. Ou seja, como disse Lula, de acordo com a cartilha estabelecida em reuniões, nas quais se tomaram decisões de governo. É matéria, afinal, de sua competência. Não fica bem, portanto, que alguém de outra área arme a bomba das contradições, mesmo que em nome de uma liberdade de expressão defendida por Lula, o chefe supremo da equipe. Daqui a pouco poderemos ter o ministro da Educação falando sobre exportações e aquele do Esporte dando as coordenadas sobre pesquisas genéticas…

É natural que, num primeiro tempo, o governo, qual orquestra, exija afinação dos instrumentos. Mas, também como na execução de um concerto, é natural que o tempo da afinação seja inferior àquele do espetáculo. Pelo que se vê, não é apenas uma questão de liberdade: está faltando afinação no governo Lula.

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