Falar muito e fazer pouco

O sábio chinês era conhecido como tal porque nada dizia. Ficava em silêncio e todos presumiam que sua mudez escondia muitos conhecimentos. Lula optou por uma tática oposta. Fez, no seu primeiro ano, recém-findo, de governo, nada menos do que 277 discursos. A maioria era escrita, elaborada com esmero por um ou mais especialistas em escrever discursos, os “ghost writers”. Mas, vamos reconhecer: o homem é bom de papo e craque no improviso. Por isso, geralmente deixava o “script” de lado e largava o verbo, naquela linguagem cheia de figuras, exemplos compreensíveis pelo povo, experiências pessoais. E a massa entendia, aprovava e aplaudia.

Foram, se é que as estatísticas não falharam, 277 discursos, já para não referir aqueles a portas fechadas que, se somados, certamente farão com que se contabilize, no mínimo, um por dia de governo. Dos discursos de Lula e do resto do “marketing” do seu governo resulta seu relativo sucesso. Seu prestígio balançou, mas, a rigor, não chegou a cair. Se caiu, não foi na proporção dos problemas multiplicados em sua administração, notadamente o assustador aumento do desemprego que durou o ano inteiro e ainda não parou.

O grande, o maior problema do Brasil, é o social, mas ninguém em sã consciência negará que ele passa pelo econômico. Ou melhor, não se resolve sem que resolvido esteja o econômico, mesmo porque a pobreza não acaba nem com reza brava. É preciso dinheiro, recursos, investimentos, empregos, comprar alimentos para o Fome Zero, para as cestas básicas e, preferentemente, para criar empregos e pagar salários que exorcizem a miséria.

Assim, se alguma coisa fez o governo federal, no seu primeiro ano, foi tomar posição no que respeita à problemática econômica. Lula assumiu sob a desconfiança do mercado. O resultado foi o fechamento das torneiras, dos imensos dutos pelos quais passavam os empréstimos e investimentos diretos dirigidos ao Brasil. O risco-País foi às nuvens e, em conseqüência, também os juros que o nosso País tinha de oferecer para tentar, e nem sempre conseguir, dinheiro novo para rolar a dívida velha.

Foi preciso uma mudança radical e total de políticas econômicas para mudar esse quadro de desconfiança. Um governo de esquerda assumiu e fez, desde logo, uma metamorfose total. Virou neoliberal, sem idéias de moratórias, de abandono de ajuste fiscal, de rompimento com o Fundo Monetário Internacional, de calotes. Dizem que Dom João VI, quando fugiu de Portugal, fustigado pelas tropas de Napoleão, chegou no Brasil e aconselhou aos seus auxiliares diretos: “Se não sabes o que fazer, não faças nada”.

Deve ter sido exatamente o que foi dito por Lula a Palocci ou o que Palocci concluiu através de sua sabedoria própria. Sabedoria que é inegável. Ele passou um ano não fazendo nada, ou seja, mantendo o que já fazia o governo anterior, na área econômica, sob o comando de Pedro Malan. A diferença está no grau. O aperto de Palocci foi e é bem maior do que o imposto na economia durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Agora, estamos no segundo ano de governo. Continuam os discursos e se está usando a tática de pinçar índices positivos, aqui e ali, alguns bem expressivos, como o do superávit no comércio exterior, para dar a impressão de que estamos revertendo a situação. Que as mudanças estão começando. Essas mudanças, pelo que tudo indica, não alterarão os instrumentos utilizados. Se houver desenvolvimento econômico, tudo terá mudado de fato.

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