Ex-guitarrista do Legião Urbana lança disco solo

Só uma década depois da morte de Renato Russo, Dado Villa-Lobos, 40 anos, se lança como líder de sua própria banda. Sem dom para autopromoção, fala com poucas pausas sobre os erros da Legião, a briga judicial com a família de Russo, a mina de ouro na qual o grupo se transformou e o desafio de, agora, ser líder. É o recomeço da carreira? "Sim, como pode ser o começo do fim".

Agência Estado – A Legião Urbana acabou há dez anos e só agora você lança um disco solo. Por que tanto tempo?

Dado Villa Lobos – Com o fim da Legião a gente parou e me retraí um pouco para focar em produções. Mas ao mesmo tempo eu já vinha trabalhando em um repertório de temas que achava que seriam bacanas para um futuro.

AEUm dia as pessoas falarão de você sem lembrarem de Legião Urbana?

Dado – Não me importo com as associações. A banda terminou de uma forma trágica, triste, mas a música desde então continuou forte no inconsciente das pessoas. Continua tocando, continua vendendo discos.

AEMuita gente ganha dinheiro com a Legião Urbana desde o fim do grupo e você sempre se colocou discreto. Foi uma forma de evitar comparações?

Dado – Sim, há um pouco de tudo nisso. Mas também há o fato de a própria Legião ter se reservado e se dado o direito de não se expor. A vivência nesses anos me ensinou a ser desse jeito. Nunca fomos oportunistas, corporativistas. A gente vivia em função da nossa música. Essa coisa de não tocar Legião mais é muito subjetivo. Eu não iria fazer regravações, mas pretendo fazer shows e misturar o repertório. Vou tocar Legião Urbana porque sei que é uma questão de entretenimento. É muito difícil você captar a atenção do público com músicas novas. Se tenho a oportunidade de lembrar algumas da Legião que são interessantes…

AENão há o que renegar…

Dado  – Claro que não! Foi uma história fabulosa que continua viva.

AENão houve exageros, gente bebendo demais na fonte depois da morte do Renato? O Legião Urbana virou uma mina de ouro?

Dado  – Eu acho que é isso. É incrível como as pessoas percebem que podem capitalizar em cima de uma história que tem um fim trágico. Não falo do Capital Inicial (que recentemente gravou um disco com músicas da Legião), falo na esfera de advogados, de interesses. Esse é um fato e temos de saber lidar com isso. Com relação à herança artística, acho fabuloso o fato de as pessoas até hoje se emocionarem e se influenciarem por idéias ou atitudes da Legião. Expõe realmente o valor que tivemos.

AEA música pop mudou muito. Seria a mesma história se a Legião aparecesse hoje?

Dado  – Eu acho que sim, aquelas pessoas juntas iriam fazer um barulho hoje também, com certeza.

AEDepois de anos você, um cara tímido, vai para a frente do palco liderar uma banda. Não é difícil?

Dado  – Cara, vou te falar: é um mega desafio. Você não está entendendo a dimensão desse desafio. Eu gravei um disco no estúdio e, na seqüência, tive o convite do projeto MTV Apresenta. Fiz o programa de televisão com maestro, a banda, tudo… Foram três semanas de ensaio e a estréia da banda foi no programa. Aquilo foi a estréia! As câmeras de TV, o ensaio com convidados. Foi um mega desafio que foi cumprido.

AE Nervosismo ainda atrapalha?

Dado  – Eu achei que não iria conseguir decorar minhas letras mas um dia fui ver o show do Zeca Pagodinho. Ele estava lá com aquela estante de letras lendo (começa a cantar) "descobri que te amo demais" (faz gesto como se virasse uma página) "descobri em você minha paz". Falei: ‘cara, o Zeca não decorou essa letra’. Que todo mundo já decorou… (Risos) Fui descobrindo ao longo dos ensaios que decorar é só um exercício.

AEFoi mais difícil do que encarar multidões com a Legião?

Dado  – Quando se está com uma multidão à frente há também o impacto de um equipamento de som muito grande. O que está rolando no palco poucas pessoas percebem. Há mais um plano geral. Um programa de TV é o contrário, mais intimista.

AEQue influência seu sobrenome tem em sua musicalidade?

Dado  – É um nome que tem um peso forte na cultura musical brasileira. O disco começa com uma música instrumental. Naquela música há a voz de Heitor Villa-Lobos dando aula. Então ele fala o seguinte: "Deus te botou dois ouvidos. Quando uma música é boa o suficiente para provocar uma forte emoção, ela entra pelos dois ouvidos. Quando é ruim, entra por um e sai pelo outro." É como ele explica o que seria a relação das pessoas com a arte universal. Villa-Lobos odiava Chopin. Ele não gostava desse culto à música erudita internacional, européia.

AESeria um ponto em comum com você?

Dado  – Eu já pensei nisso. Na época da Legião falei ‘olha, tá vendo. O cara lá tinha essa coisa. A gente está aqui tocando uma música americana que ficou brasileira. Transformamos isso em música brasileira."

AEPor que você não toca com o Marcelo Bonfá?

Dado  – Talvez por não querer me aproximar depois do fim da Legião Urbana… Eu não sei… O que sei mesmo é que sinto falta da bateria do Bonfá, com quem passei mais de dez anos de minha vida tocando. Sinto ainda falta daquele jeito que ele tocava. Uma vez tocamos Que País É Esse? e pensei: ‘Ah, é isso! Esse é o Bonfá’.

AEQuem estaria em sua banda dos sonhos?

Dado  – É difícil. Para mim o melhor baixista é o Bi Ribeiro.

AEUm vocalista.

Dado  – O Dinho arrebenta. Eu sempre vou falar dos meus chegados. Bi Ribeiro no baixo, João Barone na bateria, eu fazendo uma guitarra base, o Herbert tocando solos e Lulu Santos em outra guitarra.

AEQue nome teria essa banda?

Dado  – Os Condenados (risos).

AEA história de vocês está sendo bem contada?

Dado  – Eu acho que cada um captou de alguma forma um pedaço da coisa. Virou meio a coisa do domínio público, cada um tira sua conclusão. A pessoa gosta de ‘Ainda é Cedo’ porque aquilo faz parte da vida dela. Eu tenho minha visão, claro, que não é a geral.

AEEm qualquer roda com mais de três garotos e um violão alguém solta um ‘toca Legião aí’. Você tem paz quando tem um violão nas mãos?

Dado  – Ah, já aconteceu várias vezes… O problema é o seguinte: eu não sei tocar músicas da Legião.

AENão?

Dado  – Eu tenho que relembrar. Se pedem "Há Tempos", por exemplo, o cara que pede canta e eu vou lembrando. Um dia falei: ‘tá bom, agora vou tocar ‘Faroeste Caboclo’. E um cara cantou inteira.

AEE você nunca canta?

Dado  – Não porque eu não lembro as letras. Agora lembro mais porque quero levar algumas para o show.

AEQual a obra prima da Legião?

Dado  – "Soldados" no primeiro disco, "Índios" no segundo, "Angra dos Reis" e "Eu Sei’ no terceiro. E ‘Pais e Filhos" no Quatro Estações.

AEQuais foram os maiores erros da Legião Urbana?

Dado  – Foram vários, vários. Éramos muito desleixados com relação a certas coisas. Em apresentações ao vivo havia uma incompreensão até da parte do Renato, uma intolerância mesmo. Aquelas coisas todas que ele escrevia ele praticava também. Um grande erro foi a gente não ficar atento às questões legais. O nome da banda está hoje na Justiça (a família de Renato Russo contra os remanescentes Dado e Marcelo Bonfá) porque a gente não se ligou muito nisso. É óbvio e notório que a Legião sou eu, o Bonfá e o Renato. Não registramos o nome, não tivemos esse compromisso e pagamos por isso hoje. Está sendo negado a nós a propriedade desse nome.

AESe tivessem o nome para vocês, você e Bonfá o usariam para lançar discos?

Dado  – Não, não, é uma questão de ética mesmo. É a minha vida, é a vida do Bonfá. Eu não posso perder isso, e não vamos perder. É uma coisa desagradável que acontece hoje e se quisermos usar, vamos usar.

AEAinda que não seja permitido legalmente?

Dado  – Não, isso vai ter que ser resolvido. Está tudo parado por enquanto.

AESe você e Bonfá se juntarem para fazerem um tributo, não poderão usar o nome de seu próprio grupo?

Dado – Sinceramente, eu acho que não. Isso a gente jamais iria fazer porque fizemos um acordo verbal, aquela coisa de irmandade, de sangue, que era o seguinte: Se Bonfá saísse da banda, acabaria a banda. Se eu saísse, acabaria. Se o Renato saísse, acabaria.

AEOu mudariam o nome…

Dado  – A Legião éramos nós três. Não tínhamos esse espírito corporativo de fazer da Legião Urbana uma empresa da qual sai um funcionário e entra outro.

AEIsso era uma visão meio… Romântica.

Dado  – Sim.

AEE por que a família quer tanto o nome?

Dado  – Não sei. Provavelmente para canibalizar o repertório. Tínhamos projetos bacanas como, por exemplo, um songbook. Eu e o Bonfá procuramos um maestro para termos em partituras todas as músicas da Legião. Era um projeto bacana, com fotos, e um texto de introdução do William Bonner. Mas enquanto tiver esse entrave eu não vou fazer nada, só vou tocar minha vida e a Legião fica na gaveta até essa questão ser resolvida.

AE Sua carreira começa agora?

Dado  – Eu vejo este disco como um recomeço. Mas pode ser também o começo do fim, entendeu? Não sei exatamente quem é meu público, quem são as pessoas, onde elas estão. Fiquei muito tempo fora do meio da indústria do entretenimento. Se tivermos espaço, vamos arrebentar a boca do balão.

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