Ética no governo

Esperar um comportamento comumente ético dos governos de países do terceiro mundo, como o nosso, é acreditar em milagres. Onde existem enormes diferenças sociais, a tendência é os privilegiados mais se privilegiarem à custa dos menos aquinhoados. E estes acabarem conformando-se com a exploração, tolerando-a, acreditando que faz parte do jogo. Não raro, quando alguém das classes exploradas logra o milagre de passar para o outro lado, aproveita-se das vantagens imorais, como se direito tivesse, já que benefícios imorais sempre foram aceitos como direitos naturais dos que ascendem ao poder. O pecado na vida pública é digno de muitas indulgências. Ou considerado perfeitamente aceitável.

“Sou! Mas quem não é?” – diz a piada.

Entre o povo, sempre existiu a expressão: “Mudam as moscas, mas o monte é sempre o mesmo”, para traduzir um espetáculo fétido que, de tanto se repetir, já acostumou as narinas da sociedade e impregnou-se nos costumes políticos. O famoso político mineiro Benedito Valadares – aquele que inspirou a expressão “será o Benedito?” -, quando alguma coisa inusitada acontecia, costumava dizer: “Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei”. Com esta regra, queria dizer que os amigos têm plena indulgência, podem enriquecer nos cargos públicos, quando não roubar e perseguir os adversários. Já aos inimigos, deve-se aplicar a lei. E a lei, pelo menos em tese, tem regras que, mesmo não sendo obedecidas, são mais rigorosas que os costumes e contém normas coercitivas. Na lei existe demissão, suspensão, cadeia e outras quimeras tão poucas vezes aplicadas no Brasil. A não ser que seja contra os inimigos, pois como dizia o Benedito, aos amigos tudo é permitido.

Tal acontece quando o grupo que está no poder ou por ele porfia, há muitos anos partilha de uma luta comum, a ponto de seus membros deixarem de ser meros correligionários para se transformarem em “companheiros”. Bons exemplos tem dado o PT, desde que ainda era um partido revolucionário buscando o poder. Lembremo-nos dos episódios de Porto Alegre, quando o PT foi acusado de financiar-se com dinheiro do jogo do bicho e sua sede pertencia e era sustentada por “laranjas” de duvidosa honorabilidade. Ou dos episódios no ABC paulista, onde surgiram processos de corrupção envolvendo empresas de transporte e prefeituras. Houve até o assassinato de um prefeito petista. Não são as provas que espantam, mas o cheiro que enjoa.

Em todos os casos, e em outros mais, o perdão era prévio, pois se tratava de companheiros. A estes, tudo. Aos inimigos, a lei. Mas esse procedimento começa a promover um desgaste perigoso no governo Lula e no PT, sempre pregadores da melhor ética na política. Na semana passada, dois senadores levantaram duras acusações a Lula pela condescendência com episódios, como o da companheira Benedita da Silva, ministra que foi a uma reunião religiosa em Buenos Aires por conta do erário. E ainda teve a complacência e o perdão do presidente, pois “aos amigos, tudo”. Ou o do ministro que foi aos Jogos Pan-Americanos e acabou tendo de devolver dinheiro.

Um dos senadores criticou a frouxidão da ética governamental por dever de ofício. Foi Arthur Virgílio, do PSDB, partido de oposição. Mas o segundo foi o ético peemedebista Pedro Simon, uma das maiores lideranças do aliado PMDB. É hora de o PT recuperar seu comportamento ético. É o de menos, já que para o demais, que não tem feito, sobejam-lhe escusas.

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