Estrelas nos jardins

São duas grandes, de sálvia: uma no Palácio da Alvorada e outra na Granja do Torto, residências oficiais do casal presidente da República. Foram descobertas há pouco tempo, mas feitas, pelos cálculos, há uns seis meses. Vermelhas sobre a grama verde, com bordas, ao que consta, amarelas. Há controvérsia sobre quem as mandou executar: a crônica brasiliense atribui a ordem à primeira-dama, Marisa Letícia Lula da Silva, mas houve quem dissesse que a iniciativa foi do jardineiro, isto é, da empresa Novacap, que administra a capital. Porta-voz dela desmente e diz que a empresa só faz o que é solicitado. Principalmente colocar estrelas em jardins.

A estrela, como se sabe, é o símbolo do PT – o partido do presidente da República. Ela já andou aparecendo na lapela do paletó de Lula que, devidamente advertido para o fato de que ele hoje é o presidente de todos os brasileiros, deixou, prudentemente, de usá-la.

O casal presidente mora no Alvorada, mas não é dono do terreno. O palácio e seu entorno é coisa tombada ao Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1988. Gentileza da Unesco. Mas sendo tombado, o patrimônio precisa ser preservado, tem que obedecer certas regras. Uma delas é não ser descaracterizado. Vá lá que uma estrela no jardim não muda muito, mas foi o bastante para desencadear o debate acerca da sua conveniência ou não.

O presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Márcio Viana, não vê nada grave nas estrelas. Jardins podem sofrer acréscimos e modificações mesmo de acordo com a orientação da Unesco. Mas o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Haroldo Pinheiro, considerou a iniciativa um “desrespeito”. “Independentemente – disse ele – da questão do tombamento, o que se espera do funcionário público Número 1 do País é que ele preserve o que lhe foi oferecido para representar o País. Tem de ter zelo pela coisa pública, senão, daqui a pouco, vamos ter estrelas, tucanos, foices e martelos e até cruzes suásticas, se houver liberação completa.”

O tema levantou o tom dos debates em Brasília, onde as coisas não vão bem em quase nenhuma direção. Até petistas de carteirinha uniram-se às oposições para reclamar da estrela. O líder do PSDB na Câmara, Custódio de Mattos, disse que o gesto demonstra que o atual governo “não vê diferenças entre o partido e o Estado”, como ocorre na “instrumentalização da máquina do Incra com representantes do MST”. Usar um prédio público com o símbolo de um partido é uma falta de respeito republicano. Ou falta de cultura política. José Agripino Maia, líder do PFL no Senado, considera um deboche ajardinar o símbolo do partido em um patrimônio público. “Pode não ser ilegal, mas é altamente questionável, nunca ninguém fez nada parecido.”

Temos para nós que mais grave que a estrela no chão (normalmente estrelas ficam no firmamento) é a falta da verdade sobre quem mandou plantá-la. O debate não teria a menor importância se tudo corresse bem lá no Planalto e aqui, na planície. O governo culpa os jardineiros; os jardineiros se defendem. Quem foi, afinal, que colocou aquelas estrelas no jardim? A pergunta tem o mesmo sentido de busca à verdade para casos outros mais sérios e complicados, como este do Waldomiro Diniz – um assessor qualificado, braço direito do ministro José Dirceu, pilhado em conluio com o submundo da jogatina e dos fundos de campanha; como aquele do fuzilamento do prefeito Celso Daniel, de Santo André; com a responsabilidade inegável do governo diante dessa onda sem precedentes de invasões e violência no campo; com a incompetência explícita no combate à violência urbana; com a inapetência política na solução urgente de conflitos decorrentes de greves que paralisam importantes serviços públicos, etc., etc. etc.

Mas já que ninguém assume a plantação de estrelas no Alvorada e na Granja do Torto, só há um caminho: uma CPI para saber quem anda agindo em nome da primeira-dama, já que ela não assume a “paternidade” do feito. De um jeito ou de outro, o Brasil precisa saber – nem tudo pode ficar enrolado como no caso Waldomiro – quem é o mentiroso.

Voltar ao topo