Estelionato e corporação

Estelionato, segundo define o Aurélio eletrônico, é o ato de obter, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Quem comete um estelionato é estelionatário. O presidente, na definição do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Francisco Fausto, é um estelionatário. A vítima do estelionatário Lula foi o próprio magistrado, segundo ele denunciou na televisão e nos jornais. “Se na campanha o presidente tivesse feito este discurso sobre a aposentadoria dos magistrados, certamente nenhum juiz teria votado nele”, afirmou Fausto, o eleitor arrependido. E revoltado.

Embora os embates e dissentimentos com o governo anterior (e que acabaram levando líderes da magistratura a declarar, durante a campanha, suas preferências por frutos do mar, numa clara alusão a Lula), o presidente do TST confessa saudades das cebolas do Egito. “O governo Fernando Henrique Cardoso tinha mais respeito pelas posições do Judiciário, ouvia mais os juízes”, disse o magistrado, aduzindo que quando o governo mete a mão na aposentadoria, mete a mão no patrimônio familiar. E este é sagrado.

O presidente do TST não teme que a Nação considere os juízes corporativistas. Nem que os presidentes dos tribunais superiores sejam vistos como uma espécie de líderes sindicais atuando em benefício da própria corporação. “Quem luta pelo salário do cortador de cana é o cortador de cana” – sofisma Fausto – assim como quem luta pelo salário dos juízes só podem ser os juízes. E como lutam. Corporativistas, na verdade, são os petistas, que encetam perseguição maniqueísta aos filiados que não obedecem suas orientações partidárias.

A guerra de alguns setores do Judiciário, que já se movimentam pela greve geral, é contra Lula e contra o partido de Lula. E aproveita também os chamados radicais, que, assim, conseguem apoio extra na sua luta contra a ameaça de expulsão. Na defesa da corporação, Fausto se vale de argumentos que vão além dos interesses imediatos da magistratura: Se as aposentadorias integrais forem extintas -assegura -, a atração de profissionais do Direito para a magistratura estará ameaçada. Como se os bons salários, e as aposentadorias idem, fossem o único atrativo para os vocacionados todos.

Mas, cabeça fria, há que se convir que Fausto tem sua razão para estrilar. Afinal, era o PT um partido que, sistematicamente, votava contra as reformas, incluindo a da Previdência, já propostas no início do primeiro governo de FHC. Era contra, também, outras coisas que agora defende com unhas e dentes. Assim, como contraditar as afirmações do presidente do TST, segundo as quais estamos diante de um “estelionato eleitoral”? Por mais que o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo, se descabele para dizer que todas as propostas hoje em execução estavam previstas no programa apresentado à Nação pelo presidente Lula, o discurso de hoje não conseguirá remeter o de ontem ao olvido.

Ressentimentos à parte, entretanto, o que interessa saber é o que deve ser feito para resolver não problemas setoriais e de categorias já resolvidas, mas os grandes problemas brasileiros, entre eles esse da Previdência que despreza mais da metade dos menos possuídos. E nesse sentido espera-se da magistratura um pouco mais de sensibilidade que esta demonstrada pelos ressentimentos de uma corporação no topo dos benefícios.

Voltar ao topo