Estatuto adolescente

Ontem, 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou doze anos de existência, atingindo assim sua adolescência.

Embora nesse período muitos avanços tenham sido conquistados, seguramente ainda há muito o que fazer, pois enquanto houver uma única criança ou adolescente em situação de risco pessoal ou social por ter qualquer de seus direitos fundamentais ameaçados ou violados, em especial por omissão da sociedade e/ou do Estado, não terá o Estatuto atingido seu objetivo fundamental, que é a proteção integral da população infanto-juvenil.

O momento histórico é propício para uma profunda reflexão, de modo que em cada município seja verificado até onde as políticas e programas de atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, há tanto previstos no Estatuto, foram efetivamente implementados, quais as dificuldades que vêm sendo enfrentadas para que isso ocorra, e o que pode ser feito de modo a reverter a situação eventualmente encontrada.

Boa parte dos problemas hoje detectados estão relacionados à falta de conhecimento e/ou compreensão das regras contidas no Estatuto, que sem qualquer razão tem sido apontado como um dos responsáveis pelo aumento da crescente onda de violência que assola o País.

Desnecessário dizer que os maiores críticos do Estatuto são precisamente aqueles que jamais o leram e/ou que não têm qualquer compromisso com sua implementação, tarefa que é sem dúvida complexa e desafiadora, na medida em que importa numa mudança radical na forma como vemos, compreendemos e tratamos nossas crianças e adolescentes.

A proposta apresentada pelo Estatuto para o atendimento de crianças e adolescentes é revolucionária, na medida em que pressupõe uma verdadeira “parceria” entre família, comunidade e Poder Público, cabendo a este, para que os objetivos da lei sejam alcançados, assegurar à área infanto-juvenil a mais absoluta prioridade de atenção e tratamento, que deve começar pela destinação privilegiada de recursos públicos para implementação das referidas políticas e programas, que precisam ser adequadamente contempladas no orçamento público.

A definição das prioridades a serem enfrentadas, que deve partir do conhecimento da realidade local, com a coleta de dados fidedignos acerca dos maiores problemas e deficiências existentes na estrutura de atendimento do município, cabe fundamentalmente aos Conselhos Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Tutelar, órgãos que dentre suas atribuições/deveres, têm a de conscientizar e mobilizar a sociedade para que cada um cumpra o seu papel no sentido da proteção integral de crianças e adolescentes.

Os referidos Conselhos, assim como outros similares, são integrados por representantes da sociedade, e precisam com esta manter contato permanente, tornando-se cada vez mais visíveis e participativos, numa salutar dialética que é da essência dessa nova sistemática.

É preciso derrubar os falsos mitos que ainda hoje comprometem a adequada compreensão e aplicação do Estatuto, notadamente no que diz respeito aos direitos e deveres de crianças e adolescentes.

Deve ficar claro, por exemplo, que o Estatuto em momento algum retirou dos pais e professores a autoridade em relação a seus filhos e alunos, sendo certo que o direito à educação assegurado a toda criança e adolescente também compreende o direito de receber limites e o direito de ser corrigido, por parte daqueles, sempre que necessário (sem que isto importe, obviamente, na violação de sua integridade física, moral e psíquica, que a exemplo do que ocorre com qualquer cidadão, seja de que idade for, precisa ser resguardada).

No mesmo diapasão, não podemos deixar de mencionar que a proposta do Estatuto não é a da “impunidade”, mas sim da integral responsabilidade do adolescente em conflito com a lei (autor de conduta considerada crime ou contravenção), que está sujeito à aplicação de sanções específicas (chamadas de medidas sócio-educativas), que podem mesmo importar em sua privação de liberdade, por um período de até 06 (seis) anos (sendo três em regime de internação e outros três em regime de semiliberdade).

Poderíamos ir mais além, pois grande é a desinformação que permeia a matéria. Melhor, no entanto, é ressaltar a necessidade de que o pleno cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente é uma tarefa grandiosa, que cabe a cada um de nós tanto quanto às autoridades e Poderes constituídos, para o que todos devem buscar o conhecimento, a articulação e os indispensáveis recursos humanos e materiais.

Mais do que críticas e reformas, o que o Estatuto necessita, agora que atingiu sua adolescência, é ser melhor conhecido, compreendido e, acima de tudo, cumprido.

Murillo José Digiácomo

é promotor de Justiça, integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolecente.

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