Esforço inútil

A realidade pode atropelar o projeto do governador Roberto Requião, que sonhava com um Paraná livre dos produtos geneticamente modificados – os transgênicos. Não apenas não estamos livres deles, como já somos o segundo Estado brasileiro na lista de assinaturas dos chamados termos de ajustamento de conduta (TAC) encaminhados ao Ministério da Agricultura, documento que atende às exigências da polêmica Medida Provisória 131, agora sob a análise do Congresso Nacional. E é do Ministério da Agricultura que vem a informação segundo a qual, em assim sendo, não há como atender o pedido do governador Requião. Paciência.

Ele articulou, pregou, discursou e conseguiu fazer aprovar em regime de urgência uma lei estadual contrariando a tendência das disposições nacionais, que tropeçaram na ausência do presidente Lula e nas indecisões do vice-presidente José Alencar. Na esteira dessa lei, Requião impôs o bloqueio de caminhões carregados de soja nas fronteiras do Estado e, ato seguinte, foi analisar a soja que já abarrotava armazéns e estava sendo embarcada para o mundo afora via Porto de Paranaguá. Inclusive aquela paraguaia. Sua luta vinha sendo muito criticada, mas, mesmo assim, tinha o mérito da coragem de um certo tipo de inovação numa área minada por considerações ideológicas sobre questões eminentemente científicas e, também, comerciais. Agora descobre-se que mais de duas centenas de agricultores paranaenses rebelados contra a lei estadual se anteciparam e encaminharam a Brasília suas TACs – a declaração obrigatória para quem deseja produzir soja transgênica na safra 2003/2004. Pacau de bico. É a política do governo do Estado, mais fechada, em frontal encontro com a política do governo federal, mais permissiva.

Na lei natural das coisas, diz-se que quem pode o mais, pode o menos. “Esperamos – disse o ministro interino da Agricultura, José Amauri Dimarzio – que não haja radicalismo e que o governador entenda que estamos cumprindo nosso dever. Acredito que teremos a colaboração dele diante dessa realidade.” Os pedidos dos agricultores (deverão ser ainda mais numerosos, já que têm prazo até o dia 9 de dezembro para encaminhamento) serão analisados pela Comissão de Biossegurança sobre Organismos Geneticamente Modificados, composta por representantes de oito órgãos do Ministério da Agricultura. É para lá que devem ser dirigidos de agora em diante os apelos de Requião, mas, segundo Dimarzio, “acreditamos que a lei maior é a federal. E o Paraná faz parte do Brasil…, o que torna desnecessária qualquer atitude que venha na contramão”.

Os dados disponíveis até aqui indicam que a intenção do plantio de soja transgênica, cujos custos ficam bem mais em conta que os da soja tradicional, é alguma coisa pulverizada em todo o País. O Rio Grande do Sul ocupa o primeiro lugar, seguindo-se o Paraná. Em terceiro lugar vêm os agricultores do Mato Grosso, outro Estado cujo governo declarou-se contrário ao plantio dos transgênicos. Mas pedidos existem por parte de agricultores de Santa Catarina, Goiás, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e outros. A ideologia de quem planta não está muito afinada com a ideologia de quem discute, às vezes, o sexo dos anjos…

Queira ou não, o governador Requião dividiu, pelo menos para efeitos locais, a batata quente que está com o Congresso Nacional, na análise e eventual aprovação da medida provisória assinada pelo vice durante a recente viagem de Lula pelos Estados Unidos e América Central, incluindo Cuba. E colocou mais lenha numa polêmica que, também lá, no parlamento, ainda é encarada sem a serenidade necessária, ou seja, à luz do que diz a ciência, para que não venhamos cometer atos de obtusidade dignos da Idade Média. Ademais, a pendenga local poderá representar esforço inútil diante dos resultados que forem alcançados em nível nacional. Exatamente porque – e aqui tomamos novamente a palavra do ministro da Agricultura de plantão – a MP 131 e a Lei n.º 10.688 se sobrepõem à lei sancionada pelo governador Roberto Requião no final de outubro. Ou não?

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