Ensino do Direito: o problema da massificação

A principal proposta do atual governo com relação ao ensino superior é a ampliação de vagas para cumprir um projeto de massificação deste nível de ensino. Atualmente, segundo o MEC, o percentual dos alunos matriculados em idade regular (entre 18 e 24 anos) é um pouco superior a 10% e a meta é superar os 30% no final da gestão.

É importante alertar que este projeto deve ser implementado de forma cuidadosa, pois a experiência de massificação no ensino fundamental e médio não foi positiva. A crise na qualidade do ensino superior é resultado direto das políticas públicas educacionais adotadas sob a égide do neoliberalismo que tinham como ponto principal a expansão do sistema numa perspectiva apenas quantitativa. Os organismos internacionais passaram a condicionar empréstimos à avaliação de desempenho e no caso da educação as metas foram vincularam a altas taxas de matricula e baixos índices de reprovação. A saída mais fácil foi escolhida. Ao invés de concentrar seus esforços na formação e valorização dos docentes ou na modernização de laboratórios e bibliotecas o governo brasileiro optou por, pura e simplesmente, eliminar a reprovação e a progressão automática foi adotada na maioria das escolas do país.

Os resultados desta escolha são alarmantes. Em 2003 o SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico) divulgou que 97% dos alunos estavam matriculados no ensino fundamental mas 64% dos alunos que freqüentavam a quinta série não sabiam ler e nem escrever(1). Os exames do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) também confirmam este diagnóstico. Em 2006 participaram do exame 2,8 milhões de alunos e a média na prova objetiva foi de 36,09 pontos e na redação foi de 52,08 pontos (em um escala de 0 a 100) (2). Este é, sem dúvida, um desempenho insuficiente para os concluintes do ensino médio e possíveis calouros do ensino superior.

No caso do curso de direito este contexto de massificação é agravado pela grande demanda existente, principalmente devido às múltiplas possibilidades de emprego que a área oferece. O investimento institucional é relativamente baixo para implementar o curso e isso cria um excedente de vagas considerável. Em 2002 foram ofertadas 178.899 vagas (12.238 na rede pública e 166.661 na rede privada) e 43.959 não foram preenchidas (121 na rede pública e 43.838 na rede privada) (3). O resultado concreto deste fato é que o vestibular não elimina mais quem não tem o preparo necessário. Ele apenas classifica os candidatos e como existe um percentual representativo de vagas excedentes quase todos podem cursar Direito e conquistar o respectivo bacharelado, mesmo sem estar em condições efetivas para o êxito nesta empreitada. Por certo que é importante comemorar a ampliação de acesso à educação superior, mas as instituições sérias (que são a minoria) devem se preparar para um público altamente diferenciado, não apenas em decorrência do déficit de domínio de conteúdos básicos apresentado, mas também devido ao novo perfil que parte dos alunos apresenta. Uma mudança de comportamento já pode ser sentida com relação a estes ingressantes. Ela é mais sutil e difícil de dimensionar do que a crise de qualidade no ensino fundamental e médio, porém atinge o locus universitário da mesma forma. Os alunos, em sua maioria, não estão preparados para a inserção neste novo ambiente educacional. Eles não têm o hábito da leitura ou a disciplina para o estudo, que são elementos essenciais para este nível acadêmico. Esta realidade torna comum a existência entre os alunos de um certo ?sentimento de revolta? com as exigências ou com os obstáculos que passam a enfrentar no seu processo de amadurecimento intelectual (ao menos nas instituições que realmente possuem um projeto diferenciado).

É compreensível que, com tantas possibilidades de uma vida hedonista, os acadêmicos resistam em empenhar seu tempo estudando. É muito mais interessante ir ao cinema ou viajar nas horas vagas. Além disso, como muitos decorrem deste sistema de ensino de progressão automática, também não se conformam com a reprovação. Mas o fato é que não existem fórmulas mágicas e a conquista da maturidade intelectual é resultado de um empenho sério e disciplinado do aluno, com muitas horas dedicadas ao estudo. A satisfação resultante da formação é alcançada a longo prazo, na conquista da sua autonomia intelectual e de um verdadeiro sucesso profissional.

Dessa forma, não existe sentido na ampliação das vagas se ela resulta na formação de bacharéis despreparados, principalmente em cursos que possuem fortes exigências formais para o desempenho profissional após a obtenção do grau, como é o caso do direito. O compromisso das faculdades de direito responsáveis deve ser com uma formação séria e sólida que capacite o aluno para exercer com competência e compromisso ético a sua profissão, mesmo que isso acabe por implicar em um reduzido número de formandos.

Notas:

(1) Mais de 50% dos alunos da 5.ª série não sabem ler nem escrever. Disponível em: www.consciencia. net/2003/09/20/analfabetismo.html. Acesso em: 01 jul. 2005.

(2) Disponível em: www.aenoticias. pr.gov.br/modules/news/article.php
?sÉoryid=26212. Acesso em: 20/6/2007.

(3) PINTO, José Marcelino de Rezende. O Acesso à educação superior no Brasil. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n.º 88, p. 727-756, out. 2004, p. 737.

Andréa Roloff Lopes é professora de Metodologia do Conhecimento Científico, coordenadora adjunta do curso de Direito da UniBrasil e coordenadora Metodológica do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.

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