Ensino do Direito: o fim do modelo único

Durante as décadas de 80 e 90 muito se debateu sobre a questão do ensino do Direito no Brasil. O foco de então direcionava-se basicamente aos problemas vivenciados pelos alunos e professores das faculdades públicas ou algumas que, embora particulares, reproduziam o modelo das universidades estatais. Neste ambiente, havia bastante homogeneidade das problemáticas discutidas relativamente aos cursos ofertados. Em regra, a discussão girava em torno de um modelo ideal padronizado.

As pautas dos congressos, dos artigos científicos, das discussões acadêmicas entre alunos e professores concentravam-se em algumas questões-chave. Talvez a mais importante delas referia-se ao excesso de formalismo dos cursos de Direito, ou então, à sua vocação tecnicista, que vinha reprimindo a formação humanística nas últimas décadas do século XX. Algumas vezes também ressaltavam as dificuldades metodológicas, com particular enfoque para a precariedade didática. Almejava-se modernização; desejava-se uma formação crítica, menos formal e mais próxima da realidade. Alguns movimentos, como o do Direito Alternativo, colaboraram para incrementar a discussão também no plano do ensino e não somente no da reflexão científica. É bastante normal que o paradigma de ensino acompanhe a filosofia do conhecimento de uma certa época e isso é bem demonstrado pela própria influência do positivismo filosófico na formação do bacharel brasileiro. Quando se trata do universo acadêmico, é comum a reprodução prática de uma postura teórica. Todavia, quando se tornam variadas as práticas, a teoria passa a ter dificuldade de promover uma compreensão totalizante da realidade.

É por isso que, atualmente, não é possível permanecer no mesmo debate. A discussão deve ser conduzida por outras pautas. Muitas vezes, ainda se vê uma certa crítica anacrônica de um ambiente prático que não é o mesmo de quinze ou vinte anos atrás. A maioria dos cursos de Direito não está mais concentrada nas instituições públicas, nem no seu modelo. Ademais, aos poucos, a própria liderança intelectual vai sendo transferida, retratando um descentramento na situação observada há apenas alguns anos atrás. Esta mudança tem seus pontos positivos e seus pontos negativos. Mas é relevante que seja separado o joio do trigo.

Em boa parte dos cursos, as grandes questões do ensino do Direito na contemporaneidade não estão mais localizadas na preferência pela formação tecnicista ou em uma postura formalista do corpo docente. Ademais, a multiplicidade dos projetos pedagógicos e o ecletismo das instituições, dos alunos e dos professores aponta para uma impossibilidade de padronização das dificuldades enfrentadas na busca por qualidade. O reconhecimento desta situação é um primeiro passo para que se possa efetivamente corrigir alguns desvios nas propostas específicas dos cursos e também para que sejam criadas condições de repasse da experiência singular para um contexto geral. Um primeiro passo, dentro desta perspectiva, é reconhecer que cada instituição, cada disciplina e cada sala de aula tem sua identidade. Considerando que nos cursos de Direito os acadêmicos cada vez mais possuem uma formação pretérita radicalmente distinta, além de uma situação pessoal diferenciada e objetivos muitas vezes até contraditórios, torna-se possível estabelecer padrões somente para fins metodológicos e, ainda, com dificuldade. O que não quer dizer que isso seja impossível, pois deve ser reconhecido que os cursos permanecem com vários problemas comuns. Mas o foco terá que ser a aceitação da diversidade como algo positivo e modernizante dentro do sistema educacional do Direito.

Não é mais aceitável continuar culpando o ensino jurídico e suas respectivas instituições por uma possível má formação do aluno, em abstrato; este mito é muito difundido na nossa sociedade atual de forma generalizante, o que conduz a equívocos. Deve-se começar a pensar mais concretamente, verificando os problemas de cada instituição e de seus alunos e professores, trocando idéias e dialogando não somente a partir de uma padronização dos problemas, mas mediante a verificação das peculiariedades de cada curso. É preciso ser reconhecido que as instituições não necessitam ser iguais. Os cursos têm que oferecer aos atores envolvidos propostas distintas, e que, por assim ser, terão diferentes problemas, mas também um maior e mais diversificado número de vantagens.

A comunidade acadêmico-jurídica deve aceitar o fato de que o ensino do Direito sempre estará em crise e que um modelo ideal não existe. Nestes termos, a crítica generalizada torna-se apenas uma retórica ultrapassada, quando não, absolutamente distanciada de seu foco, além de ser promotora de uma séria de injustiças, em detrimento da análise dos reais problemas que podem ser indentificados.

O importante é que as instituições de ensino tenham convicção do seu próprio modelo e, mais que isso, é indispensável que os alunos conheçam qual é a proposta político-pedagógica de seu curso de graduação desde o primeiro dia de aula e até antes. A sociedade precisa começar a diferenciar as instituições para que as demandas sejam bem direcionadas. Sem dúvida que este processo vai facilitar a própria identificação das faculdades desqualificadas e que, efetivamente, propiciam uma formação em regra não aceita pela comunidade como um todo. Mas muitas vezes a questão será apenas de preferência do aluno por esta ou aquela proposta, por esta ou aquela metodologia, por este ou aquele corpo docente. Ou seja, ocorrerá uma escolha consciente.

Emerson Gabardo é professor de Direito Administrativo, Coordenador Geral do Curso de Direito da UniBrasil e da Pós-graduação do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.

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