Enfim, os contratos secretos

As minhas posições sobre as tantas benesses concedidas às montadoras multinacionais de veículos que se instalaram no Paraná são de todos conhecidas. Agora, finalmente com acesso pleno aos mui afamados protocolos firmados entre o governo que me antecedeu e as montadoras, confirmam-se todas as nossas críticas às concessões feitas.

Feito o registro, e diante do consenso de que a generosidade da antiga administração para com as montadoras ultrapassou o que elas próprias sequer imaginavam, vamos em frente.

Vamos agora ao que o empresário Benedicto Kubrusly Júnior, diretor do Sindipeças, chamou de “segunda onda”. Na primeira e poderosa vaga, surfaram soberanas as montadoras. Agora, chegou a vez de implantarmos uma política que privilegie a participação das indústrias de autopeças locais e que, em conseqüência, gerem mais empregos e rendas no Paraná.

Para tanto, criamos um conselho que vai estudar e revisar os incentivos concedidos às montadoras e sugerir o estabelecimento de uma nova política para o pólo automotivo paranaense. Esse conselho tem a participação do Sindimetal, Sindipeças, Fiep, ACP, CUT, Força Sindical, Dieese, Ipardes, além das secretarias da Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio e de representantes das próprias montadoras.

Estabeleceu-se entre nós, empresários, trabalhadores e governo a concordância de que esse divórcio das montadoras das indústrias locais, dos fornecedores paranaenses, é insustentável. Hoje, nunca é demais citar, na montagem dos veículos feita no Estado, apenas 2,1% das peças são genuinamente paranaenses.

Por quê? Não temos qualidade? Não temos tradição?

Temos qualidade e tradição. Algumas das nossas fábricas de autopeças estão entre as mais avançadas do País. Nossas indústrias estão plenamente habilitadas a atender qualquer exigência das montadoras, em qualidade, quantidade e preço.

No entanto, fica um tanto quanto difícil vender, por exemplo, para a Volks/Audi se a sua central de compras está instalada na fábrica em São Bernardo do Campo. Da mesma forma, inviabiliza-se a nossa participação na montagem dos veículos se os sistemistas, sistematicamente, fogem do mercado local para a compra de seus insumos.

É preciso que as montadoras redirecionem parte dos benefícios que tiveram. Nada mais justo, nada mais lógico, nada mais inteligente. A elevação do índice de “paranização” das peças utilizadas na montagem dos veículos é essencial para que o chamado pólo automotivo paranaense se consolide e para que as montadoras sejam, finalmente, absorvidas pelos paranaenses. Para que se integrem à nossa realidade, façam parte da nossa vida, contribuam para o aumento da oferta de empregos, para a elevação da renda.

Na reunião que fizemos em minha casa e onde nasceu a idéia da criação do conselho, todos nós fomos tocados pelo depoimento do empresário Moisés Kubrusly, diretor da Igasa. Disse ele: “Somos pioneiros na fabricação de tanques de combustível e cárteres de óleo para a quase totalidade dos automóveis e caminhões fabricados em nosso País. A nossa qualidade é por todos reconhecida. No entanto, não conseguimos fazer com que as montadoras instaladas no Paraná comprem os nossos produtos, não obstante os tantos esforços que fazemos. As barreiras parecem invencíveis”.

Não entendo as razões da resistência aos fornecedores paranaenses. Afinal, os US$ 126 milhões dados à Renault pelo Estado do Paraná, dos US$ 300 milhões comprometidos, à conta de participação acionária, saíram da contribuição de cada um dos paranaenses. Dinheiro do Tesouro é dinheiro público, do povo. Da mesma forma, os R$ 163 milhões emprestados pelo governo à Volkswagen/Audi em condições especialíssimas também são uma contribuição de todos nós.

As dilações sem juros e correção monetária viabilizaram a capitalização das empresas e reduziram a participação acionária do Estado no capital social da Renault, por exemplo, em 0,21%.

Para ficar mais claro: em vez da anunciada participação acionária do Estado, em contrapartida aos US$ 300 milhões, foi feita, através da dilação sem juros e correção, e por longo prazo, uma verdadeira doação a essas empresas, que devolverão ínfima parcela do imposto devido.

Citei apenas três exemplos de benesses, ainda assim não mais significativos, mas eles são um forte motivo para que as montadoras aqui instaladas não continuem dando as costas às empresas paranaenses.

Além do que, os contratos sem previsão de correção, como os feitos com as montadoras, representam um processo de exoneração fiscal e não de dilação de prazo. E assim sendo, tem um fantástico custo financeiro para o Estado. E os valores não recolhidos são incorporados ao capital das empresas sem que elas tenham que se preocupar em reverter em ações os benefícios recebidos.

No entanto, acredito que o bom senso prevalecerá. O conselho, com a representatividade que já citei, com toda certeza impulsionará a “segunda onda” de que falou o dirigente do Sindipeças. Vamos conversar, vamos estudar, vamos propor, vamos negociar. Avançaremos. Porque o Paraná tem governo.

Roberto Requião é governador do Paraná.

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