O deputado federal Ivan Valente (PT/SP) – com o apoio de 197 parlamentares – apresentou proposta de emenda à Constituição (PEC 314/2004) no plenário da Câmara dos Deputados em 25.08.2004, já encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), dispondo sobre a organização sindical e outras matérias correlatas. Eis as alterações constantes da PEC e nossas breves observações:

Acordos e convenções coletivas de trabalho: a proposição propõe alterar o inciso XXVI do art.7º da CF – “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” – pela seguinte redação:”XXVI – reconhecimento dos contratos coletivos de trabalho”. O atual dispositivo constitucional reflete a experiência jurídico-trabalhista brasileira das convenções e acordos coletivos de trabalho, com base na Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 611 a 625, conforme o Decreto-Lei 229/67 ). Se aprovada a alteração constitucional, deverá ser seguida de projeto de lei complementar que modifique as normas celetistas. Na justificativa, o parlamentar não fundamenta sua proposta.

Ampla liberdade sindical: a segunda alteração refere-se ao inciso I do art.8º da CF – “a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical” – substituído pela seguinte redação:”I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro como pessoa jurídica em conformidade com a legislação civil, vedadas ao Poder Público a interferência e intervenção na estruturação, administração e organização sindical; a qual deverá obedecer aos princípios da gestão democrática, com pluralismo de idéias; transparência dos atos políticos, financeiros e administrativos da entidade sindical; mecanismos efetivos de participação e decisão da base; estatutos e processos eleitorais democráticos, que permitam prévia e ampla divulgação das eleições sindicais, de modo a que todos possam exercer o direito de disputá-las, fiscalizando todo o processo eleitoral”. Esta alteração se completa com a proposta de supressão do inciso II do art.8º da CF, ou seja, a supressão do atual princípio constitucional da unicidade sindical – “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município”. Portanto, caso a proposição de emenda constitucional venha a ser aprovada, inaugura-se o sistema da mais ampla liberdade sindical, excluindo-se a unicidade sindical, o sistema de representação por categoria profissional e econômica e o sindicato de, pelo menos, base municipal, assim como a possibilidade da livre fundação de entidades sindicais, inclusive por empresa, inscritas em cartório de registro de pessoas jurídicas. Trata-se da tradução brasileira ampliada da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, com a politização do movimento sindical.

Introdução do inciso IX: a terceira alteração localiza-se na introdução do inciso IX ao art.8º da CF, com a seguinte redação: “IX – Ninguém será prejudicado, especialmente mediante imotivada dispensa, em virtude de sua condição de representante dos trabalhadores, filiação a sindicato ou participação em atividades do mesmo”. Trata-se de norma que visa impedir atos cometidos contra a organização, representação, filiação e participação sindicais. A proposta ainda revoga o parag. 2º do art.9º da CF – “Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei” – que é um parágrafo relacionado com o direito de greve inscrito no artigo nono da Constituição Federal.

Organização por local de trabalho: A PEC altera o art. 11 da CF – “Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores” – introduzindo a seguinte redação: “Art. 11 – É assegurada a organização por local de trabalho. Parágrafo único – Os trabalhadores de todas as empresas deverão eleger seus representantes em número diretamente proporcional ao de empregados das mesmas, desde que nenhuma empresa, independente do número de trabalhadores que tenha, fique sem representação e o número de representantes não seja inferior a 02 (dois) para uma empresa com até 50 (cinquenta) trabalhadores”. A proporcionalidade é aleatória e a representação mínima é de dois trabalhadores. O dispositivo não indica a finalidade da organização dos trabalhadores no âmbito da empresa, nem mesmo está interligada com o sistema sindical, pelo que a torna insustentável na prática.

Normas aos servidores públicos: A proposta se endereça, ainda, a alterar os incisos VI e VII do art.37 da CF, a saber: (a) art.37,inc.VI -“é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical” – que passaria a ter a seguinte redação: “VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical, bem como à contratação e negociação coletivas”; (b) art.37,inc.VII – “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar” – alterado para a seguinte redação: “VII – o direito de greve do servidor público será exercido nos termos do art. 9º desta Carta, aplicando-se a mesma regulamentação infraconstitucional que se estabelecer para os trabalhadores do setor privado”. Tanto a primeira como a segunda alterações são inconstitucionais, face o sistema da administração pública brasileira, já que é incabível negociação coletiva entre sindicato e poder público – pois as normas do serviço público devem decorrer de lei aprovadas pelo Legislativo e sancionadas pelo Executivo – e a greve deve sofrer os limites específicos dos serviços públicos essenciais à comunidade.

Central sindical: A PEC altera o inciso IX do art.103 da CF – “Art.103 – Podem propor a ação de inconstitucionalidade: … IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional” – passando a vigorar com a seguinte redação: ” IX – central sindical, confederação sindical e demais entidades de classe de âmbito nacional”. A proposta visa apenas aditar a central sindical no rol das entidades sindicais com legitimidade para propor a ação direta de inconstitucionalidade.

Competência da Justiça do Trabalho: O art.114 da CF sobre a competência da Justiça do Trabalho – “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas” – passaria a ter a seguinte redação: “Art.114 – Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar ações individuais e coletivas entre trabalhadores e empregadores, entre servidores públicos e os órgãos da administração pública direta e indireta, dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União, abrangidos os entes de direito público externo e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças”. A nova redação amplia a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar as ações entre os servidores públicos e os órgãos da administração pública direta e indireta e exclui os dissídios coletivos de trabalho.

Dissídio Coletivo e efeitos das normas coletivas: A PEC mantém o parágrafo 1º do art.114 da CF – “frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros” – mas modifica a redação do parágrafo 2º do art.114 da CF – “Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho” – que passaria a ser: “Parag.2º – Alcançado o termo final da vigência dos contratos, convenções e acordos coletivos de trabalho, os efeitos do pactuado subsistirão até a assinatura de novo contrato pelas partes, resguardado o direito das mesmas recorrerem ao arbitramento público judicial que tomará como patamar mínimo as vantagens normativas preexistentes, com a garantia de reposição das perdas salariais do período”. A nova redação, além de extinguir o dissídio coletivo do trabalho, refere-se ao arbitramento público judicial, sistema inexistente na Constituição e na legislação ordinária para a solução dos litígios coletivos do trabalho. Portanto, sem lei complementar, o dispositivo constitucional, neste ponto, é inócuo. Já a manutenção dos efeitos das normas coletivas das convenções e acordos coletivos de trabalho até a assinatura de novo termo, é antiga reivindicação dos trabalhadores, assim como a reposição das perdas salariais. Finalmente, a PEC introduz um novo parágrafo ao art.114 da CF, a saber: “Parag.4º – Os direitos mínimos assegurados nesta Carta e na legislação infraconstitucional não poderão, em hipótese alguma, serem reduzidos através da livre negociação” – ou seja, impedindo a prevalência do negociado sobre o legislado.

Breve conclusão: a PEC – afora suas flagrantes inconstitucionalidades e imperfeições jurídico-legislativas e redacionais – procura introduzir o sistema do amplo pluralismo sindical que vem sendo condenado por parcela significativa do movimento sindical dos trabalhadores e dos empregadores. Salvam-se propostas relativas à manutenção das normas coletivas enquanto perdurarem as negociações de renovação dos ajustes coletivos entre trabalhadores e empregadores, a reposição de perdas salariais e a impossibilidade da prevalência do negociado sobre o legislado.

Edésio Passos (edesiopassos@terra.com.br) é advogado, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores, integrante do IAB, da ABRAT, do corpo técnico do DIAP e membro da Comissão Nacional do Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Ex-deputado federal (PT/PR).

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