Eleição de Obama nos EUA e o racismo de Berlusconi

Foi eleito o primeiro presidente negro dos EUA, mas alguém tinha que estragar a festa. O racismo e a intolerância de Berlusconi (que ofendeu duramente Obama em razão de sua cor) repercutiram mundialmente como o apagão da semana da eleição. Com trajetória marcada pela superação, Obama afirmou em seu primeiro discurso (logo depois de revelados os resultados das urnas) que nos EUA até o impossível pode acontecer.

O mundo inteiro foi só elogios (e esperanças renovadas), até que o cenário (quase lúdico, apesar da crise financeira mundial) fosse tisnado pela imbecilidade berlusconiana, que afirmou: “Obama é bonito, jovem e ainda está bronzeado”. A piada de mau gosto (e inoportuna) do Primeiro Ministro da Itália rapidamente repercutiu no mundo todo. Quanta imbecilidade um só homem é capaz de transportar em seu reservatório racista?

As tentativas diplomáticas de explicações e os pedidos de desculpas iniciaram-se prontamente. Algumas frases e gafes históricas foram salvas pelos intérpretes. Atribui-se a Eurípedes a seguinte: “Todos os gregos são mentirosos”. Em seu tempo, essa assertiva discriminatória causou mal-estar geral e grande revolta na Grécia. Seu intérprete corrigiu tudo afirmando: Eurípedes também é grego, logo, ele mentiu ao proclamar que os gregos são mentirosos! Conclusão: não era verdade que os gregos eram mentirosos.

A insensatez de Berlusconi, entretanto, não tem correção e só é superada pela sua grosseria (e míope intolerância racial). O preocupante é que ele sintetiza, na Itália, uma legião incomensurável de votantes que pensam exatamente da mesma maneira. Neste país, hoje, (re)vive-se um clima racista extremamente perigoso (porque intolerante e excludente). Foi o primeiro país europeu que aprovou a criminalização dos imigrantes clandestinos. Em seguida a própria União Européia acabou também aprovando medidas contra os excluídos. Como se vê, a Europa, em alguns momentos, não consegue evitar os influxos do processo de berlusconização do velho continente.

Miguel Mora (El País de 9/9/8, p. 6) relata que no Facebook (uma das maiores redes sociais na internet) nasceu, logo após a infeliz declaração, um grupo chamado Perdoe Obama: Berlusconi é um “coglione” (filho da puta). Em minutos, milhares de adesão!

Barak Obama e seus auxiliares absolutamente nada comentaram. Muitos jornalistas insistiram, mas ele nada quis afirmar. De caráter fino e frio, parece que nada lhe retira a serenidade. Um milhão de piadas racistas já foram feitas, mesmo assim o presidente eleito norte-americano mantém-se incólume em sua elegância. Vamos ver até quanto isso vai durar. Ninguém neste planeta talvez deverá ser mais vacinado contra os preconceitos que ele.

O primeiro que teve que trabalhar duramente para suavizar os danos causados pelas irresponsáveis declarações de Berlusconi foi o embaixador italiano em Washington. Apesar das ofensas, Barak Obama (que manifestou seus agradecimentos a todos os chefes de Estado do mundo) acabou telefonando para Berlusconi, mas absolutamente nada comentou sobre sua indelicadeza. La noblesse exige compostura (sobretudo diplomática).

A reação do Primeiro Ministro italiano a todas as críticas sobre sua gafe foi a seguinte: “Todos que me criticam não sabem o que é o sentido do humor: são uns imbecis e uns “coglioni” (filhos da puta). A interdição judicial talvez fosse o melhor remédio para Berlusconi. Já que o povo italiano não o interditou nas urnas, agora é o momento de se postular por uma interdição judicial (ou política, que se faria pelo impeachment). Quanta pobreza de espírito e de linguagem.

Em Bruxelas, pouco depois de ter praticado a ofensa contra Obama e toda raça negra, acabou agredindo um jornalista americano, afirmando que ele também fazia parte desse grupo de imbecis. O racismo desse senhor (chamado de Il Cavaliere) está extrapolando todos os limites imagináveis. Michele Serra escreveu: “É um bobo que não tem estatura para ser primeiro min,istro”.

Para encerrar sua histórica jornada pouco brilhante, Berlusconi aproximou de vários jornalistas cantando Abbronzatíssima, uma canção de Edoardo Vianello. Considerando-se que miséria pouca é bobagem, concluiu: “Fazemos de tudo em nossa vida para estarmos bonitos e bronzeados”. Barak Obama é bonito e moreno, “que mais vocês querem”?

Se fosse apenas um fanfarrão idiota poucos lhe dariam credibilidade. Berlusconi, entretanto, consegue ir mais longe: é um dos chefes de Estado mais extravagantes que já existiu na União Européia. Racista, intolerante, grosseiro, preconceituoso, imoral e aético. O terrível é que suas idiotices e tolices afetam duramente terceiras pessoas.

No mundo globalizado em que todas as culturas e raças se aproximam cada vez mais, quando a humanidade está começando a caminhar para a construção de uma única raça (a humana), quando a eleição de um presidente negro nos EUA começa a evidenciar um mundo “pós-étnico” (Timothy Garton Ash), porque ninguém mais que Obama retrata uma louvável e esperançosa “sopa étnica” (como disse Michael Kinsley), tinha que aparecer o bobo alegre da corte (um idiota) para atrapalhar as entusiastas comemorações.

Luiz Flávio Gomes é professor doutor em Direito Penal pela Universidade de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, professor de Direito Penal na Universidade Anhangüera e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).