Varejistas com atuação em financiamento a consumidores e instituições financeiras mantêm perspectiva cautelosa sobre oferta de crédito em meio a expectativas de uma leve alta na inadimplência do segmento este ano. Como as vendas cresceram pouco neste primeiro semestre, era de se esperar que os lojistas elevassem a concessão de crédito, para estimular o consumo. Porém, já há sinais de maior seletividade na oferta de crédito.

continua após a publicidade

As grandes companhias varejistas que têm braço financeiro reportaram no primeiro trimestre queda da inadimplência, mas especialistas apontam tendência de deterioração pela frente. O presidente da administradora de cartões para o varejo Credz, José Renato Borges, admite que a seletividade no setor aumentou. “Acredito que a oferta atual está adequada ao momento de incertezas da economia”, ponderou.

“A taxa de aprovação do crédito vem caindo desde o Natal, que já foi um período mais fraco de vendas do que o esperado”, comenta André Feltrin, sócio da consultoria FFC Serviços Financeiros e professor do Centro de Excelência do Varejo da Fundação Getúlio Vargas. Entre varejistas de porte regional para os quais sua empresa presta serviço, ele afirma que a aprovação de crédito caiu de 45% no final de 2013 para 35% em meados de 2014.

Na administradora de cartões DMCard, a taxa de aprovação de crédito também caiu desde o começo do ano porque a empresa já observava uma tendência de alta da inadimplência. A aprovação de crédito nos cartões próprios de varejistas atendidos, a maioria supermercados, saiu de 68% para 64%, segundo o gerente da DMCard Marcelo Jacinto.

continua após a publicidade

A Copa deve ser determinante para o comportamento não só das vendas do varejo, mas também do crédito. Um resultado muito negativo de vendas durante o Mundial de futebol poderia fazer com que varejistas sentissem a necessidade de aumentar a oferta de crédito ainda que isso culminasse em deterioração na provisão para devedores duvidosos (PDD), avalia o diretor de segmentos da Serasa Experian, Danilo Nascimento. A expectativa dele é que este ano termine, de toda forma, com uma elevação suave na PDD nos produtos financeiros do varejo como um todo.

Mas a queda da confiança do consumidor está afetando os produtos financeiros no setor varejista. “Apesar das taxas de inadimplência baixas, dados sugerem que a disposição dos indivíduos de continuar tomando mais crédito parece ter se estabilizado”, disseram os analistas da Brasil Plural, Guilherme Assis, Victor Falzoni e Ruben Couto, em relatório sobre Magazine Luiza e Via Varejo.

continua após a publicidade

A Guararapes, controladora da Riachuelo, deixou bem claro na última teleconferência de resultados o desafio de conciliar financiamento ao consumidor e desempenho de vendas. O diretor Financeiro, Tulio Queiroz, afirmou que o crédito “não tem sido limitador para se comprar mais”. “A pergunta é, se aumentássemos ou afrouxássemos um pouco mais a política, se isso iria aparecer em vendas.. e a resposta é não”, declarou. “Nossos clientes têm crédito aprovado, então eles poderiam ter comprado; nossa ideia não é afrouxar a política de crédito”, completou.

A ideia de que o endividamento do consumidor chegou a um limite, porém, é contestada. Boanerges Ramos Freire, consultor especializado em varejo financeiro, destaca que o nível de comprometimento da renda vem se mantendo relativamente estável ao longo dos meses. “Não há um apocalipse”, diz. O comprometimento da renda das famílias com serviço da dívida divulgado pelo Banco Central foi de 21,37% em março, ante 21,59% no mesmo mês de 2013. A visão é compartilhada por Fernando Cosenza, diretor de sustentabilidade da Boa Vista: “o cenário de endividamento das famílias é saudável”, afirma.

O que o setor tem como certo é que 2014 deve seguir sem grandes avanços. Para Borges, da Credz, este é um ano em que o crédito “anda de lado”. A preocupação maior é com o fato de que 2015 não deve ser muito diferente, já que o cenário macroeconômico aponta para ajustes fiscais e possível elevação das taxas de juros.

Para Feltrin, da FFC, as companhias terão de se manter conservadoras, o que preocupa, porque reforça as expectativas de que as vendas de mercadorias também vão seguir sem grande crescimento.