O próximo presidente da República terá de agir rápido para evitar que mais um rombo afete o caixa do setor elétrico no primeiro semestre de 2015. A exemplo do que ocorreu nos últimos dois anos, vários contratos de energia elétrica firmados entre distribuidoras e geradoras – em leilões promovidos pelo governo entre 2001 e 2013 – acabam em dezembro. Se essa energia não for recontratada, o rombo pode chegar a R$ 7 bilhões entre janeiro e junho, segundo cálculos da Comerc Comercializadora.

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Pelas regras do setor, as distribuidoras são obrigadas a contratar 100% da energia necessária para abastecer os clientes. Quando o volume contratado é menor que o consumido, elas têm de comprar a diferença no mercado spot (de curto prazo), cujo preço do megawatt hora (MWh)está em R$ 745 (chegou a R$ 822 no primeiro semestre). O problema é que as distribuidoras têm sido obrigadas a comprar no mercado à vista todo mês.

O descompasso no balanço energético das empresas começou no fim de 2012, após o vencimento de uma série de contratos e da Medida Provisória 579, que prorrogou as concessões de geradoras e transmissoras. Na época, empresas como Cesp, Cemig e Copel não aceitaram as condições do governo para antecipar a renovação das concessões. Com a decisão, as distribuidoras ficaram sem contrato e tiveram de buscar energia no mercado de curto prazo para atender os consumidores.

Ao mesmo tempo, a estiagem reduziu o nível dos reservatórios das hidrelétricas e obrigou a entrada em operação de todas as térmicas. Resultado: o preço do MWh explodiu e a conta das distribuidoras ficou insustentável. Só neste ano, o custo das concessionárias com compra de energia no mercado à vista soma cerca de R$ 20 bilhões.

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A conta, que no final será repassada para o consumidor, deve ficar mais salgada em 2015. Pelos cálculos da Comerc, a partir de janeiro, as distribuidoras terão uma fatia de quase 4 mil MW médios sem contrato, sendo 2.961 MW médios que vencem em dezembro e outros 1.000 MW médios que já estão em aberto de anos anteriores. Para cobrir o volume de energia descontratada e evitar que as distribuidoras tenham mais perdas com compras no mercado spot, o governo teria de fazer um leilão este ano.

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Mas aí surgem alguns entraves. Em julho do ano que vem, diversas usinas que não aceitaram renovar as concessões em 2012 vão retornar para o Estado – ótima notícia para o governo. “Com isso, a exposição das distribuidoras zera no ano que vem”, diz o presidente da comercializadora Comerc, Cristopher Alexander Vlavianos. Segundo ele, no entanto, a Cemig está questionando a devolução de duas usinas (Jaguara e São Simão) e o montante a ser devolvido pode ser menor.

Oferta. Outro problema refere-se à oferta de energia num possível leilão. Com o nível dos reservatórios baixo e forte demanda por geração térmica, quem tem energia descontratada prefere vender no mercado sport. “Se podem vender por R$ 700, porque venderiam por R$ 200? No último leilão, quem mais vendeu energia foram as estatais”, lembra o presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva.

O professor da UFRJ, Nivalde Castro, destaca ainda que as geradoras hidrelétricas, a exemplo das distribuidoras, estão amargando prejuízos por causa do preço alto no mercado de curto prazo – no ano, a previsão é de R$ 20 bilhões. Com todas as térmicas em operação, as hidrelétricas estão gerando menos que o volume vendido em contrato e precisam ir ao mercado para comprar a diferença.

A lista de entraves a um novo leilão se completa com o prazo curto da contratação, de seis meses, afirma o gerente de regulação da Safira Energia, Fábio Cuberos. “Se comprar energia por um ano, as distribuidoras terão sobra de energia no segundo semestre (já que as usinas vão retornar para o Estado).” Por outro lado, quem aceitar vender, vai querer um preço alto. Hoje, o valor do MWh para contratos de um ano, em 2015, está em torno de R$ 400.

Apesar das dificuldades, o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca Leite, afirma que o assunto precisa ser discutido agora. “Já levamos a preocupação ao ministério e esperamos ter um leilão neste ano para cobrir o volumes descontratados.” Leite afirmou estar confiante que o governo estabeleça condições e preços atraentes para que haja oferta de energia.

Para o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, a situação do setor elétrico está fortemente associada a equívocos da MP 579 e outras decisões equivocadas do governo. “Além da MP, o governo não fez um leilão em 2012 (para recompor os contratos vencidos das distribuidoras). Tudo isso foi agravado por um regime hidrológico ruim.” Cálculos do JP Morgan mostram que a crise no setor deverá representar um custo de R$ 66 bilhões para o Brasil, sendo que boa parte desse montante será paga pelo consumidor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.