Restrição a transgênico é briga econômica

A decisão do governo brasileiro, de permitir a venda de soja transgênica produzida por produtores ligados ao Movimento Sem Terra no Rio Grande do Sul, não surpreendeu um grupo de cerca de 50 produtores paranaenses que concluiu, na semana passada, uma visita de uma semana à Argentina, sob coordenação da Federação da Agricultura do Paraná. Para a maioria deles, as restrições à soja transgênica na Europa e Ásia são puramente econômicas. Na fazenda Posta Alta, na cidade de Pergamino, província de Buenos Aires, o administrador Homero Broggi que antes de se dedicar ao campo trabalhava na área financeira confirma que a totalidade da soja produzida no País, tem como origem sementes modificadas geneticamente. E a Argentina exporta, hoje, para alguns países da Europa (que não confirmam a compra) e outros da Ásia. A fazenda, de 500 hectares, produz soja, milho e trigo.

O cidadão argentino está confuso. O ex-presidente Menem é, de novo, candidato a presidente, e traz no bojo de suas promessas, algumas iniciativas que são boas para o produtor primário. A maioria dos argentinos, que não trabalha com exportação, têm boas memórias do período, porém, grande parcela da população não quer nem ouvir falar no ex-presidente e na classe política como um todo. “Todos os candidatos têm promessas interessantes, porém tivemos experiências desagradáveis com a política nos últimos anos”, diz o empresário rural. Uma comerciante de Buenos Aires foi mais elucidativa: “Não creio que vamos ter eleição. Duhallde (o atual presidente) coloca empecilho atrás de empecilho para manter-se no poder”.

A mesma decepção com os mandatários do País os produtores paranaenses a maioria deles presidentes de sindicatos patronais no Estado sentiu na visita feita, no mesmo dia, à Cooperativa AG ltda., União de Alfonso, ainda em Pergamino. O gerente da cooperativa, Oscar Crocinzi, fez duras críticas aos políticos do país, principalmente à conversibilidade mantida desde 1995 pelo ex-presidente Menem e suas consequências na vida do cidadão argentino. “A conversibilidade provocou concentração da produção e o desaparecimento do pequeno produtor”, disse ele, acentuando que o ex-ministro Cavallo “estimulou o endividamento em dólar e quem sucumbiu ao seu ensinamento acabou quebrado”.

A desvalorização do peso argentino hoje a paridade com o dólar está em torno de $ 3,51 -, trouxe benefícios a alguns setores, entre eles o rural. “As dívidas foram convertidas para pesos, mas nosso produto continua cotado e vendido a dólar”, diz Broggi, para quem nem mesmo a determinação do governo de realizar um “confisco” de 20% sobre a produção, mais 3,5% sobre a venda, tirou o ânimo do produtor. É que a desvalorização da moeda, no mesmo período, atingiu níveis inesperados, de 250%. “Um peso comprava um dólar. Hoje, para comprar um dólar precisamos de 3,51 pesos. Ganhamos competitividade para exportar” constata.

O fim da conversibilidade que derrubou o presidente Fernando de La Rúa, constitucionalmente eleito -, se trouxe lucros para alguns, acabou prejudicando a maioria. Hoje falta trabalho para o argentino e algo simplesmente inexistente há algum tempo já se vê pedintes nas ruas de Buenos Aires, uma capital que se orgulhava e ostentava riqueza. Nas mesmas ruas é possível encontrar argentinos, bolivianos e chilenos dormindo na rua, depois de terem perdido todo o dinheiro que estava depositado nas agências bancárias, no bloqueio determinado pelo governo, o chamado “corralito”. Mesmo já tendo a maioria do dinheiro liberado, para poder retirá-lo o cidadão teve que abrir mão de um percentual, que na maioria das vezes ficou bem próximo de 50%.

A Argentina vai produzir, este ano, um total de 70 milhões de toneladas de grãos, 12% do qual (perto de 8 milhões de toneladas) serão comercializadas através de cooperativas. Mas o produtor não tem muito a comemorar, a não ser o preço internacional. A produtividade está baixa, como constata o produtor Claudio Oro, de Matelândia. Confrontado com a produtividade apresentada por Broggi, de 3.200 quilos por hectare, chegou à conclusão de que o Brasil está muito à frente. “Estamos produzindo, em algumas regiões do Paraná, até 4.500 quilos por hectare”, explica.

O produtor brasileiro, porém, tem dificuldades em competir com a soja transgênica. O produto tem menor custo e mercado aberto. “Enquanto gastamos R$ 400 em defensivos agrícolas em um hectare de soja natural, a soja transgênica tem um custo de pouco mais de 10% deste valor”, conta o vice-presidente da Federação da Agricultura, Nelson Teodoro.

Cooperação e união

O gerente da cooperativa União de Alfonso faz questão de elogiar uma proposta apresentada pelo ministro brasileiro da agricultura, Roberto Rodrigues. “Ele sugeriu que países que subsidiam a produção, não deveriam competir no mercado mundial. Eu concordo com isso”, afirmou. Defendeu, também, a união dos produtores argentinos e brasileiros em torno de iniciativas e interesses comuns, deixando de ser competidores.

Para situar o presente lembrou o passado: “Peron ensinou os direitos dos trabalhadores, não os deveres. E fazemos isso hoje com os nossos filhos.”

Criticou duramente a classe política, taxando-os de “vendidos”. “Nenhum deles defende os interesses nacionais”, concluiu. (O repórter viajou à Argentina a convite da Faep).

Boi “verde” é a diferença

João Alceu Julio Ribeiro

Há quase dois anos a Argentina voltou a vacinar o rebanho, depois do surgimento de um foco de febre aftosa. O país, há muito tempo comercializava carne para a Europa, por estar livre da doença. Hoje, a exportação se mantém, em menor número, porque o gado voltou a ser vacinado. A Argentina é considerada “livre de aftosa com vacinação”, mesma situação que se encontra o Paraná.

A primeira grande diferença entre o gado argentino e o brasileiro está no manejo. Graças ao clima, os animais estão livres de infestações muito conhecidas nos campos do Brasil, como o carrapato que obriga a banhos em algumas regiões do Estado até semestrais e bicheiras, outro problema que induz à utilização de químicos que acabam afetando o rebanho.

Outro diferencial está na alimentação. Na maioria dos campos visitados não é utilizada qualquer suplementação. Sequer o sal que proporciona ganho de peso pela retenção de líquidos porque o solo é rico e proporciona todo que o gado exige. “O boi argentino é essencialmente verde, só come pasto e alguma forragem no inverno”, explica um fazendeiro.

Produzindo uva com qualidade

Maior produtor de uva e vinho da América do Sul e quinta maior produtora do mundo perde para Itália, França, Espanha e Estados Unidos, pela ordem a Argentina, mais precisamente a região de Mendoza (aos pés da Cordilheira dos Andes) é campo fértil para o Vivero Mercier, um consórcio formado por empresas dos Estados Unidos, França e Argentina. A produção de mudas de videira chega a 5 milhões por ano, das quais dois milhões utilizam enxerto (que podem custar de US$ 0,80 a 1,00 cada, dependendo da variedade) e o restante um milhão de mudas sem enxerto (a preço que pode variar de US$ 0,20 a 0,30 cada). A Argentina deve produzir, este ano, 1,5 bilhão de quilos de uva.

A empresa já tem clientes no Brasil. Vende para vitivinicultores de Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Bagé (a produtora do vinho Miolo, considerado um dos melhores produzidos no Brasil é cliente do Mercier). Mas há interesse em expandir essa penetração em outros estados. Conversando com o produtor Antônio Oshiro, de Itambaracá, um dos maiores interessados na tecnologia apresentada, o gerente de produção Daniel Bergamín se prontificou a ir ao Paraná para mostrar o produto.

“Nosso custo hoje gira em torno de R$ 0,20 por muda, bem abaixo do preço praticado pela empresa, porém temos elevadas perdas que podem resultar na demora em mais um ano para reiniciar o plantio”, explica Oshiro. Será o próprio Oshiro quem vai levar as informações obtidas na viagem para os produtores da Associação Três Lagos de Bandeirantes, que está possibilitando aos produtores da região usar a uva como alternativa de renda.

A formação de um hectare de uva exigiria, dependendo da variedade, um total de 3 a 5 mil mudas na formação “espaldero”(com os pés em sentido vertical) e de 1,5 a 3 mil no sistema “parral”(ou parreiral, como é conhecido no Brasil). Utilizando “cavalos” importados da França, as variedades possibilitam grande rendimento, sendo possível iniciar uma produção comercial a partir do terceiro ano, aumentando a capacidade (tonelagem) a cada ano.

Aos interessados em outro tipo de informação: é possível fazer um litro de vinho a cada 120 quilos de uva.

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