Real valorizou-se mais do que a bolsa em abril

Desta vez não foram os fundos DI, nem o ouro, nem as ações. Com o dólar ocupando a lanterna do ranking de rentabilidade das aplicações financeiras em abril (-13,82%), o real foi o ativo que mais se valorizou. No ano, a moeda brasileira já avançou 18,21% frente ao dólar oficial. O Ibovespa fechou em alta de 11,38%, registrando no ano variação de 11,43%. Na seqüência, os melhores desempenhos no mês passado ficaram com fundos DI (1,93%), fundos de renda fixa (1,90%), CDI (1,87%), CDB (1,69%) e poupança (0,92%). Influenciados pela variação cambial, tiveram desvalorização o ouro (-11,48%) e os fundos referenciados ao câmbio (-11,63%). O euro caiu 11,78% no último mês.

Mas, na prática, o que representa para os investidores essa forte queda do dólar, que surpreendeu a todos em abril? Os analistas consideram que a moeda norte-americana está no nível de compra. “É o momento favorável para quem vai viajar ou fazer investimento, como importar máquinas ou equipamentos”, diz Ricardo Moraes Filho, diretor da Spirit Corretora de Valores. Ao mesmo tempo, acrescenta, continua sendo um bom momento para a compra de ações de empresas exportadoras. “Tem várias oportunidades de realização em curto prazo, como Vale, Embraer e empresas de papel e celulose.” As previsões em relação à Bolsa de Valores de São Paulo são otimistas. Fala-se em fechar o ano na casa de 15 mil pontos.

No mês de maio, o investidor deve se preparar para alguma posição de compra, ficando atento à taxa de juros e às votações das reformas, aponta o diretor da Spirit. Ele ressalta que a queda do dólar em abril foi influenciada pela entrada de captações privadas de bancos e empresas, aliada à captação soberana do Tesouro Nacional de US$ 750 milhões (que teria furado a barreira dos R$ 3), e à grande intensidade de entrada de dólares da safra agrícola. Moraes considera que o nível de R$ 2,90 “já é um piso para o dólar”. “No mês de março, o mercado pode reverter essa queda principalmente em virtude do menor número de operações e mais compromissos de vencimentos públicos (US$ 3 bilhões).”

Com a entrada das reformas no Congresso, Moraes acredita que o mercado vai começar a olhar mais a questão política, os números da inflação e o provável corte de juros na próxima reunião do Copom. No cenário externo, as atenções estarão voltadas para a recuperação ou não da economia norte-americana no cenário pós-guerra. “O dólar tende a se estabilizar no patamar de R$ 3 a R$ 3,10 nos próximos 60 dias”, projeta.

Confirmando-se o corte na taxa Selic, os investidores terão que redirecionar seus investimentos, já que os fundos atrelados aos juros – que até então vinham se constituindo em ativos atraentes – reduzirão os ganhos. “À medida que forem avançando as reformas e depois da próxima reunião do Copom, o investidor deve migrar parte dos fundos DI para fundos multimercado com operações de taxas pré-fixadas, renda fixa, bolsa ou câmbio”, orienta Moraes.

Dilema é: inflação ou exportação?

Para o lado real da economia brasileira, a retração do dólar impõe um dilema. “Em curto prazo, ajuda a atingir o objetivo básico da política econômica de hoje, que é manter a inflação dentro da meta de 9%, estabelecida na carta de intenções com FMI. Se de um lado, resolve o problema da inflação, do outro pode começar a comprometer a competitividade da economia brasileira”, analisa o economista Gilmar Lourenço, professor da FAE Business School. “Os exportadores já começaram a chiar porque o dólar abaixo de R$ 3 ficou barato.”

Além de prejudicar os segmentos que buscam ampliar os mercados internacionais, Lourenço observa que também há um complicador na vida das empresas que adotaram programas de substituição de importações a partir de 99, “até para escapar do risco da desvalorização cambial”. “Muitos desses investimentos podem ser frustrados com o câmbio barato”, indica, citando como exemplo o setor automobilístico. “Uma grande indústria que procurou aumentar a nacionalização da marca pode ser estimulada a comprar peças e componentes no exterior e deixar na mão o fornecedor que investiu para atendê-la.”

No aspecto macroeconômico, pode reaparecer o problema de desequilíbrio nas contas externas do Brasil. “Com o dólar barato, haverá facilidade para importar e mais dificuldade para exportar. É bastante provável que os saldos positivos apresentados pela balança comercial venham a ser reduzidos nos próximos meses”, sinaliza Lourenço. “Por causa da inflação, o governo demonstra menos preocupação com a valorização do real. Mas se houver continuidade da queda na cotação do dólar, o governo terá que promover intervenção, se não vai frustar os objetivos de superávit comercial”, pondera.

A projeção inicial para 2003 era um saldo de US$ 5 bilhões. O valor foi ampliado para US$ 9 bilhões e posteriormente para US$ 15 bilhões. “Isso é muito difícil acontecer. Boa parte do saldo da balança acontecia porque a economia interna estava contraída. Com o câmbio facilitando as importações, certamente haverá um maior volume de encomendas de mercadorias do resto do mundo”, prevê o economista.

Os maiores interessados na queda do dólar, diz Lourenço, são os grandes endividados em moeda estrangeira. “Um deles é o governo, os outros são grandes empresas que tomaram recursos emprestados no mercado internacional e na medida em que a cotação vem caindo, têm que desembolsar menos em reais para pagar as parcelas de suas dívidas.” Porém o economista concorda que R$ 2,90 é a cotação limite da moeda norte-americana. “Se cair para menos de R$ 2,90, começa a desencadear movimentos especulativos sobre as tendências de curto prazo da economia brasileira.”

Lourenço destaca que apesar da valorização do real, o governo não está mexendo nas outras variáveis para garantir uma sincronização de preços. “Para o consumidor, interessa o preço do feijão, do açúcar, da entrada de cinema, da cerveja, do automóvel. Para um sistema econômico, interessam os preços chaves (taxa de juros, taxa de câmbio, tarifas públicas, impostos, aluguéis, salários, lucros das empresas)”, explica. No ano passado, com a disparada do dólar, o alinhamento dos preços relativos aconteceu por duas vias: inflacionária e aumento da taxa de juros. “Neste ano, como a taxa de câmbio está recuando, os outros macropreços também teriam que recuar”, defende o economista.

Na visão de Lourenço, há duas maneiras de se resolver o problema em curto prazo: “A mais sensata é iniciar uma estratégia de redução gradual da taxa de juros; a outra seria o governo passar a fazer intervenções no mercado cambial, comprando dólares”. Segundo ele, com a redução dos juros, além de restabelecer o equilíbrio com o câmbio, “o governo daria um fôlego adicional para a economia voltar a crescer, pois reduziria o custo do crédito para consumidores e o custo financeiro para empresas”. (OP)

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