Plano Real será ativo eleitoral de novo

Brasília

(AE) –  Oito anos depois de lançado e base das duas eleições de seu autor, o presidente Fernando Henrique Cardoso, o Plano Real continua no centro do debate político-econômico. E agora pela terceira vez, quando muitos consideravam esgotados seus recursos como fator eleitoral relevante, o compromisso com a estabilidade monetária e a garantia de competência técnica para controlar a inflação e construir o equilíbrio das contas públicas, o Plano ressurge como o principal ponto de debate e definição da eleição presidencial de outubro.

Na prática, o Plano Real se tornou o foco da campanha, tal como em 1994, no seu lançamento, e em 1998, quando o seu êxito esteve ameaçado, tal é a centralidade que a discussão sobre as suas bases ganharam nos programas dos candidatos.

Esse é um quadro indicado pelo resultado das pesquisas qualitativas que chegam aos candidatos a suceder o presidente Fernando Henrique Cardoso, e é esta percepção que causou o debate técnico entre os assessores de Luiz Inácio Lula da Silva, o favorito na corrida presidencial segundo todas as pesquisas sobre intenção de voto. Afinal, o PT cometeu dois erros nas campanhas passadas. Enfrentou Fernando Henrique dizendo que o Real era um pesadelo, em 1994, e em 1998 decretou o fracasso do Plano confundindo os choques externos que atingiram o País com a crise asiática e a moratória da Rússia com supostos defeitos da sua gestão macroeconômica.

Consenso

Nesta eleição, o debate se tornou mais racional. Há em formação no País um consenso acerca da estabilidade como um bem público e a compreensão de que numa democracia nova como a brasileira, que só recentemente fez uma opção pelo mercado em detrimento do intervencionismo estatal excessivo, a construção de uma economia saudável e internacionalmente competitiva no mundo global consome uma quantidade ainda não mensurável de tempo para se consolidar.

Não se discute tanto a importância de preservação do conteúdo do Plano – que tem o apoio de 70% da população, também segundo as pesquisas – mas os seus objetivos de curto e médio prazo. E isso envolve todos os candidatos, inclusive José Serra, candidato do PSDB-PMDB e do presidente da República, que elegeu o emprego e a produção como seus objetivos na Presidência.

O que dizem Lula, Serra, Ciro Gomes e Garotinho é que com eles a política de juros será menos dura e que haverá crédito para que o País produza o que precisa para se manter e excedentes expressivos para a exportação.

Em tal cenário, pode-se discutir a fórmula que apresentarão para atingir seus objetivos – e algumas delas, por exemplo, podem produzir desarranjos macroeconômicos e dificuldades de financiamento do déficit externo, se os superávits primários forem dirigidos para financiar outro tipo de política. Vencerá o debate e provavelmente a eleição quem conseguir demonstrar que, além das políticas que sustentam o Real, será capaz de implementar um programa de governo que aumente a oferta de renda e emprego de modo duradouro e sustentado.

Carta

Mas chama a atenção na “Carta aos Brasileiros” lançada por Lula em 22 de junho, o esboço de uma idéia de projeto nacional alternativo a ser formulado e implementado num prazo de um ano ou mais. A pressuposição oposicionista é de que “o atual modelo esgotou-se” e corre o risco de ficar “numa estagnação crônica ou até mesmo sofrer um colapso econômico, social e moral”. Ou seja, ao mesmo tempo em que se compromete em manter a atual política, para acalmar o mercado e não assustar os eleitores do centro conservador, acena com outra experiência que ninguém sabe exatamente o que será, a não ser que pretende, em suas grandes linhas, harmonizar uma política agressiva de exportações e a expansão do mercado interno com o aumento da empregabilidade e a redistribuição da renda.

As incertezas sobre o Brasil neste momento são de natureza eleitoral e se sustentam na desconfiança de que as políticas que deram certo podem ser mudadas bruscamente por um novo presidente ansioso por deixar sua marca. Lula causa dúvidas porque diz, entre outras coisas na “Carta aos Brasileiros”, que “a verdadeira estabilidade precisa ser construída por meio de corajosas e cuidadosas mudanças que os responsáveis pelo atual modelo não querem absolutamente fazer”. Mais do que isso, diz que será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e o que a sociedade reinvindica”.

O curioso é que o próprio documento do PT admite que “a percepção aguda do fracasso do atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto destrutivo”. Trata-se de uma situação paradoxal: mesmo diante do fracasso, a sociedade age como se ele não existisse e se mostra confiante no futuro, gerando um fenômeno social e político desconhecido. Até a inquietação que atingiu o mercado financeiro nas últimas semanas, os candidatos pediam a seus profissionais de marketing a palavra mágica, o slogan exato, para explicar porque desejam a Presidência e o que farão com o Brasil se chegarem ao Palácio do Planalto.

A todos eles ainda falta essa síntese, embora sobrem problemas no País. Percebeu-se, talvez, que estes continuarão insolúveis e a aumentar na hipótese de que se perca a conquista da estabilidade macroeconômica.

Juros

O receio a conceder autonomia operacional ao Banco Central reflete isso. Imagina-se que os gestores políticos devem ter liberdade para interferir na política econômica e determinar, por exemplo, a taxa de juros básica da economia se esta estiver causando incômodo às suas bases eleitorais.

As decisões que o governo Fernando Henrique tomou em matéria econômica são reveladoras de que, da parte dele, não haverá descuido nesse aspecto. Nos seus priores momentos ele não hesitou em deixar livre a autoridade monetária para definir o rumo que considerava mais apropriado. Não se deve esperar, por consegüinte, decisões que comprometam os ganhos do Real, mesmo que para tanto sejam necessárias medidas que, teoricamente, prejudiquem a campanha do candidato governista do PSDB, José Serra.

Problema crônico

Desde a eleição de Getúlio Vargas, em 1950, a inflação foi um problema crônico. Juscelino Kubistchek assumiu com inflação em alta e a deixou maior porque se recusou a abandonar seu programa de desenvolvimento. Até com o FMI ele rompeu para ocupar com estradas, hidrelétricas e construir Brasília o centro estratégico do território nacional. Mas era um tempo em que o mundo estava desconectado, em que uma ligação telefônica do Planalto Central para o Rio poderia demorar três dias, e em que os modelos econômicos operavam com lógicas diferentes.

Os governos militares se concentraram na batalha contra a inflação e legaram ao civil José Sarney a sua maior dificuldade. Sarney deixou para Fernando Collor uma hiperinflação superior a 85% ao mês (hoje estamos perto de 5% ao ano).

Falta confiança nos candidatos

“Pequenos e contínuos passos na direção errada podem ser fatais”, repete o presidente do Banco Central, Armínio Fraga. “Criar uma bolha de crescimento é fácil, qualquer um faz; o que sempre perseguimos com o Plano Real foi o crescimento sustentado e permanente”, lembra Malan.

As incertezas que se instalam hoje no cenário brasileiro devem-se muito à compreensão de que Fernando Henrique é um presidente diferente, que seguiu um roteiro previsível para a vida econômica – sabendo que não existiria uma rota curta e fácil para construir a democracia e a estabilidade -, e cujos atributos de habilidade para conduzir um sistema político dividido não se repetirão, seja qual for o seu sucessor.

O nome que ele apóia – José Serra – tem algumas das suas qualidades: preparo técnico e intelectual, conhece o governo e o setor público, sabe como lidar com o mercado, conhece bem os políticos, os empresários e o mundo dos negócios. É o candidato da persistência e da continuidade.

Os candidatos do PSB, Anthony Garotinho, e do PPS, Ciro Gomes, não inspiram confiança nos setores das finanças e da nova economia industrial baseada em tecnologia de ponta. O primeiro porque não parece ter um entendimento técnico e político adequado dos problemas brasileiros. Vê o País como se fosse um Estado da federação ou a prefeitura de uma cidade média. Ciro Gomes é mais agressivo. Ex-ministro da fazenda no final do mandato de Itamar Franco – diz ter sido um dos formuladores do Real – ,Ciro Gomes rejeita o modelo de controle da inflação baseado em metas a serem atingidas pelas autoridades monetárias, pois as considera obstáculo à queda dos juros e ao aumento do crédito para a produção.

Mas não ilumina suficientemente que idéias teria para pôr no lugar. Ele assusta porque tem uma visão deletéria da dívida interna, composta em grande parte das dívidas dos Estados federalizadas pela União. O que ele fará com ela quando fala em renegociá-la, ninguém sabe com certeza.

Já Lula desperta desconfianças e receios. É natural que seja assim. Ele dirige um partido de facções, no qual não há consenso sobre como conduzir a política econômica ou de que forma o País deve se relacionar com o mundo globalizado. As disputas internas em curso no PT mostram o esforço do seu corpo dirigente de impôr à sua base de quadros um programa de campanha que não atemorize a sociedade. É uma maneira de responder também ao temor de que falte a Lula e aos especialistas do partido o indispensável preparo técnico para manter a estabilidade e, simultaneamente, lançar um projeto de desenvolvimento aceito pelas forças financeiras e produtivas.

Existem, contudo, questões insuperáveis para a esquerda petista. Lula gerou ao longo da sua trajetória e da prática do seu partido um conjunto de expectativas sociais e corporativas que não cabem no orçamento federal. Com isso, explica-se a reação da esquerda à Lei de Responsabilidade Fiscal em nome de uma suposta responsabilidade social. O debate eleitoral já evidencia, contudo, que a responsabilidade fiscal é parte inseparável do modelo ideal de administração das contas públicas.

Nasce aí um dilema: sem ruptura (o palavrão banido da linguagem escrita e falada do petismo) Lula dificilmente se dará tempo e espaço, se ele ganhar, para que implemente um programa de crescimento como desejaria. As demandas sobre ele serão mais urgentes, com riscos de desarrumação dos fundamentos da estabilidade. Esta é a realidade e não há como o PT fugir dela.

O intrigante nos compromissos que Lula e o PT assumem é que eles parecem todos provisórios. O candidato fala em uma transição suave para outro modelo e afirma que o novo modelo “não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista”. Acrescenta que a nova economia será “fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo País, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade”.

O que Lula está querendo dizer parece ser que se for eleito, e não obtiver maioria parlamentar (o que é o mais provável), tentará governar acima dos partidos e do Congresso, diretamente com a sociedade.

Se for isso, aeventual eleição de Lula levará com ele para o Planalto um risco de instabilidade política e institucional comprometedor da continuidade democrática. Quem serão seus interlocutores? As entidades corporativas de trabalhadores e empresários da velha economia? Os trabalhadores sem-terra e sem-teto, os desempregados? O presidencialismo é forte, mas ao longo dos anos 90 perdeu parte dessa força transferindo atribuições ao Congresso Nacional.

Empresários criticam baixo crescimento

São Paulo

(AE) – O setor empresarial aprova muitos dos ganhos obtidos com a estabilidade no Plano Real, mas critica duramente o parco crescimento da economia, principalmente em 2001 e neste ano, provocado pela ênfase dada pelo governo à manutenção da estabilidade monetária e ao controle da inflação, em detrimento de ações que acelerem a atividade econômica.

No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1 51% e em 2002 deverá ficar na casa de 2%, segundo estima o Banco Central (BC).

Os empresários concordaram que a estabilidade será um dos temas centrais da campanha eleitoral deste ano, tanto por parte do candidato do governo quanto por parte dos da oposição. “Todos os candidatos têm de ser a favor da estabilidade, que será sempre uma moeda de campanha”, diz Clarice Messer, diretora de pesquisas e estudos econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Só não pode ser a única”, ressalta ela.

Um dos empresários mais críticos em relação ao crescimento da economia é Mario Bernardini, também dirigente da Fiesp. Para ele, o que se conseguiu com o Plano Real foi uma estabilidade de preços, não da economia. Segundo ele, essa estabilidade também está “ancorada em terrenos duvidosos, não é de longo prazo”. Receio

“Se o atual modelo econômico não for rapidamente modificado, até mesmo neste governo, não será mais uma questão de se o Brasil quebrará ou não mas uma questão de quando quebrará”, afirma o diretor da Fiesp.

A estabilidade monetária é mantida por juros altos e aumento da carga tributária, o que, no futuro, terá um preço. “Temos de mudar nossa política fiscal, diminuir os gastos do governo, rever a previdência social. Os famosos fundamentos (da estabilidade) não existem, é conversa para boi dormir. A estabilidade no País é caríssima”, critica Bernardini.

Reformas

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Plástica (Abiplast), Merheg Cachum, o atual governo perdeu ótimas oportunidades para fazer as reformas estruturais necessárias para garantir a sustentabilidade do crescimento. “Hoje torço para que o próximo presidente, seja ele qual for, arregace as mangas logo no início e promova as reformas. A estabilidade da moeda é boa, mas a conta disso foi muito alta”, afirma Cachum, ao citar que a dívida interna, por exemplo, cresceu muito depois da adoção do real.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria do Vestuário (Abravest), Roberto Chadad, credita à estabilização da moeda, oito anos atrás, e à abertura do mercado interno às importações, há 10 anos, os ganhos de competitividade do setor têxtil e, principalmente, do setor do vestuário. “Éramos muito atrasados, com máquinas velhas, e a matéria-prima era extremamente cara. A estabilidade e a abertura nos obrigaram a investir nas empresas e a nos tornarmos competitivos. Muitos quebraram pelo caminho mas hoje podemos competir com europeus e norte-americanos”, argumenta.

Segundo ele, entre 1º de julho de 1994 e o ano de 1996 cerca de três mil empresas do setor faliram. Ele tem certeza de que o tema ainda será muito explorado durante a campanha eleitoral. “A moeda dá credibilidade”, diz Chadad.

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