Petróleo e governo trazem insegurança ao mercado

O mercado financeiro viveu mais um dia de forte tensão, marcado ontem pelo retorno do dólar à casa dos R$ 3 e pela queda de 4,17% na Bolsa de Valores de São Paulo. Novamente, o deterioramento dos indicadores foi comandado pelo movimento internacional de fuga de recursos dos países emergentes, somado agora à alta do petróleo e às dificuldades do governo federal em aprovar sua agenda no Congresso Nacional. A moeda americana girou quase todo o dia em torno de R$ 3 e encerrou aos R$ 2,999, em alta de 1,48%.

Os títulos da dívida externa Global 40 foram negociados a 89% do valor de face, em queda de 3,31%. O C-Bond vale 90,125% do valor de face. O risco-País, até o fechamento do mercado apontava uma disparada de 8,01% em relação a anteontem, marcando 714 pontos – maior pontuação desde 25 de agosto do ano passado.

Entre os fatores de insegurança, ressalte-se os preços do petróleo que atingiram o maior valor em 13 anos novamente, aproximando-se dos US$ 40 o barril para junho, sob temores quanto ao fornecimento vindo do Oriente Médio, em razão da falta de segurança, e da falta de gasolina nos EUA com a chegada da temporada de verão, quando o consumo aumenta. O temor dos investidores é que os dados pressionem a inflação norte-americana e acelerem a alta dos juros.

Um dado, a princípio positivo para a economia americana, foi ofuscado pelo petróleo e também fez aumentar o temor de uma alta dos juros nos EUA: o número de pedidos de seguro-desemprego na semana encerrada em 1.º de maio caiu em 25 mil, chegando a 315 mil na semana. É o menor total desde 28 de outubro de 2000.

O departamento também divulgou que a produtividade das empresas americanas subiu a uma taxa anualizada de 3,5% ao ano. O mercado esperava uma variação de 4%, mas no trimestre imediatamente anterior a alta havia sido de 2,5%.

Para o gerente de câmbio da corretora Souza Barros, Carlos Alberto Abdalla, o mercado ainda está sofrendo a influência do comunicado do Fed, que deixou uma abertura para mexer nos juros já na próxima reunião do comitê de política monetária (o Fomc, pela sigla em inglês), nos dias 29 e 30 de junho, e não mais só em agosto ou setembro, como se esperava. “Definitivamente, o aumento vem, mas durante esse intervalo entre a fala e a atitude, a cada novo indicador, o mundo inteiro vai ter movimentos de mudança das posições dos títulos”, diz.

Ontem, foi a vez de o BC britânico elevar os juros de 4% ao ano para 4,25% e do BC europeu de manter sua taxa em 2% ao ano.

Hoje sai a taxa de desemprego de abril dos EUA, junto com outros dados do mercado de trabalho, além dos números dos estoques no atacado e do crédito ao consumidor em março.

“O mercado fica preocupado com a inflação nos EUA e o cenário externo acaba predominando”, diz a diretora de câmbio da corretora AGK, Miriam Tavares. Para ela, o dólar não deve resistir por muito tempo tão próximo de R$ 3, pois começa a ficar atraente para os exportadores que queiram trocar dólares.

No cenário interno, investidores temem pela governabilidade e pelas contas públicas. A oposição ao governo aproveitou o mesmo descuido com o caso do bingo e conseguiu quórum para instalar uma comissão mista para examinar a medida provisória que fixou o salário mínimo em R$ 260, presidida pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e tendo o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ) como relator.

Um fator também interno de pressão de alta no dólar que pode durar ainda até a quarta-feira da semana que vem é o anúncio feito pelo Banco Central, na terça, de que não rolará a dívida cambial de US$ 707 milhões que vence no dia 13, US$ 372 milhões em NBC-E e US$ 335 milhões em contratos de “swaps cambiais”.

“O governo pode tentar passar um sinal positivo não rolando a dívida, mas a oferta de reais no mercado vai acabar indo para o dólar, em busca de hedge (proteção)”, avalia Abdalla, da Souza Barros. Para ele, o governo perdeu a chance de resgatar parte destes papéis no ano passado.

“Estamos vendo agora que não foi a economia interna que segurou o mercado no ano passado, é um grande teste para a economia e o Brasil não está passando.”

Analistas já falam em 3.º choque do petróleo

Os preços do petróleo continuaram ontem perto dos US$ 40 nos mercados internacionais devido a riscos de atentados terroristas no Oriente Médio, com a proximidade da temporada de maior consumo de combustível nos Estados Unidos, além da forte demanda por parte da China. A situação levou um diretor executivo da Agência Internacional de Energia a citar a possibilidade de um “novo choque de petróleo” no mundo.

O barril do cru Brent, negociado em Londres, superou ontem os US$ 37 pela primeira vez desde outubro de 1990, antes do início da Guerra do Golfo, quando havia registrado um recorde histórico de US$ 41,90. Após ser cotado a US$ 37,20, o barril para junho retrocedeu US$ 0,19 para encerrar o dia em US$ 36,53.

Em Nova York, o óleo cru leve ficou, pelo segundo dia consecutivo, acima dos US$ 39. O barril negociado para junho fechou ontem em US$ 39,37, em baixa de US$ 0,20 em relação à jornada anterior, após chegar durante o dia à cotação de US$ 39,97.

Apesar do fechamento em baixa devido aos investidores estarem se desfazendo de posições já valorizadas, analistas prevêem que o barril em US$ 40 seja iminente.

Os compradores temem que o tiroteio ocorrido no final de semana em uma instalação petroquímica na Arábia Saudita e a recente tentativa de atentado em um terminal exportador de petróleo em Basra, no Iraque, possam ser os precursores de um ataque maior em instalações vitais no Oriente Médio. A região é responsável por um terço da produção diária de cru.

Mercado interno

O preço cobrado pela Petrobras em suas refinarias está cerca de 30% abaixo do preço internacional, segundo cálculos do economista Adriano Pires, da consultoria CBIE (Centro Brasileiro de Infra-estrutura). Em relação ao óleo diesel, a defasagem é de 10%. Na sua avaliação, a possibilidade de a estatal subir os preços dos dois derivados é remota, porque a empresa fez um “colchão” de cerca de R$ 2 bilhões no ano passado, ao não reduzir os preços quando o preço internacional estava menor.

Bovespa tem dia difícil com queda de mais de 4%

O Ibovespa, principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo, fechou o pregão em forte baixa de 4,17%, a 19.190 pontos. É o nível mais baixo da Bovespa desde o dia 11 de março quando tombou 4,19%. Um dos motivos para a queda – aliado à disparada do petróleo no mercado internacional – foi a derrota do governo na votação da medida provisória que proibia o funcionamento de bingos.

“É uma pena. Há três dias a Bolsa tentava se recuperar do tombo de abril. Mas com o governo perdendo força no Congresso, o mercado deu uma boa desandada e abriu espaço para as especulações”, afirma o diretor do portal financeiro Acionista, Ricardo Guerses.

A alta do preço do petróleo, a violência no Oriente Médio, a expectativa de juro maior nos EUA e de menor crescimento na China também criam um ambiente negativo para os negócios no mercado global de ações.

“A situação econômica mundial e local têm deixado os investidores globais estressados. Cada dia temos um fato novo ou a reincidência de um outro que acelera as oscilações das Bolsas e mercados monetários”, afirma o diretor da corretora Ágora, Álvaro Bandeira.

A perspectiva de elevação dos juros internacionais também continua pressionando os ativos de países emergentes como o Brasil. Ontem o Banco da Inglaterra elevou a taxa de juros de 4% para 4,25%.

Nos EUA, o mercado aguarda a divulgação hoje da taxa de desemprego de abril e do número de vagas criadas no mês passado. Esses dados devem dar direção às expectativas das instituições financeiras sobre o “timing” do início da trajetória de alta do juro americano. Ontem o dado de pedidos de seguro-desemprego em abril veio abaixo do esperado pelos analistas, dando mais um sinal de recuperação do mercado de trabalho nos EUA.

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