Orçamento

Paraná tem as famílias mais endividadas do Brasil, mas especialista diz que isso não é ruim

Foto: Atila Alberti

No final do ano passado, a auxiliar de produção Elidiane Rosa, 30, passou a abrigar em sua casa parentes que passavam por problemas de saúde e tiveram de ir para Curitiba em busca de tratamento. Mais gente debaixo do mesmo teto e sem renda extra na mesma proporção. Balançou as contas. Ela, que sempre controlou o orçamento, viu-se tendo que cortar despesas supérfluas para não atrasar as essenciais.

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O esforço fez com que ela ajudasse a engrossar a parcela dos endividados que conseguem manter as contas em dia. O Paraná é o campeão nesse quesito. Em 2017, 87,9% das famílias do estado estava com dívidas, mas sem necessariamente atrasá-las. A média nacional é de 60,7%. Os dados são da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

De acordo com o diretor de planejamento e gestão da Fecomércio PR, Rodrigo Rosalem, é preciso ponderar: a dívida por si só não é algo ruim. “A compra de um imóvel, por exemplo, que vira uma dívida, indica um poder de consumo”, diz. “A capacidade de compra e a possibilidade de parcelamento só existe para o consumidor adimplente”.

O especialista da entidade que coordenou uma pesquisa com base nos dados da CNC destaca que a presença do Paraná entre os primeiros da lista de endividados se deve à própria situação fiscal do estado, melhor que a média nacional. “Renda per capita maior e salário mínimo melhor que o do resto do país [R$ 1.223,30 e R$ 937, respectivamente] também são razões para o endividamento com relativa baixa inadimplência”, explica Rosalem.

Entre as famílias com renda superior a dez salários mínimos, o número de endividados em dezembro de 2017 chegou a 94% — mês em que o endividamento geral alcançou 90,6%, maior índice em quatro anos.

Endividamento e aprendizado

À frente de uma família cuja renda é maior que dez salários mínimos, a bancária aposentada Tânia Chagas, 50, tem a fatura do cartão de crédito e a parcela do próprio apartamento como principais dívidas — todas pagas em dia. Poupa e investe com o companheiro e hoje não contrai dívidas que não pode arcar. Mas levou um tempo para agir assim.

Aos 20 anos, em um de seus primeiros empregos, contraiu dívidas — com talão de cheques e fiado com o próprio comprador — que não podia pagar. Colocou até o próprio nome em uma compra para a colega de trabalho, que deu o calote. À época, Tânia era responsável por apresentar o crédito imobiliário aos clientes de um banco.

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Levou dois anos para quitar as dívidas. Quando o cartão de crédito ganhou popularidade, no final dos anos 1990, já não tinha problemas em lidar com o orçamento. Pelo contrário, com o marido e chegada da filha, o planejamento financeiro se tornou essencial. “O cartão eu uso para compras maiores. Quando necessário, parcelo em no máximo três vezes”, conta.

Segundo Rosalem, da Fecomércio, a estratégia da bancária aposentada é a mais recomendada. “O cartão de crédito costuma ser um vilão porque as pessoas o usam para compras do dia a dia, como a do supermercado”, explica. “É preciso deixá-lo para ocasiões específicas”.

Os juros das operações com cartão de crédito somaram 334,6% ao ano em dezembro de 2017, de acordo com o Banco Central — um dos fatores que, segundo especialistas, tornam essa modalidade de pagamento um potencial complicador para o consumidor.

Dados de abril da CNC mostram que 76,1% das famílias estavam endividadas com o cartão de crédito. Em maio deste ano, a Serasa Experian constatou 61,2 milhões de pessoas inadimplentes em todo o Brasil — 28% tinham dívidas com o cartão. Segundo o levantamento, cada endividado tem cerca de quatro contas atrasadas. São, em média, R$ 4.438 por pessoa.

Influência da conjuntura

Para a economista da CNC, Mariane Hanson, o cenário econômico do país influencia na formação de dívidas e, consequentemente, no ritmo de consumo. “Se as pessoas têm medo de perder o emprego ou receio de que pode não haver reajuste de salário de acordo com a inflação, elas adiam as compras”, diz.

Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo IBGE, o Brasil tem 14 milhões de desempregados. Em abril deste ano a taxa de desemprego foi de 13,6%. Era 8% no final de 2014, mas saltou para 13,2% em 2016.

Além das famílias estarem mais cautelosas pelo cenário econômico, Hanson acredita houve um aprendizado de como se endividar sem cair na inadimplência — a exemplo do que aconteceu com Tânia Chagas. A bancária aposentada considera ter um nível moderado de dívidas, assim como a maioria dos consumidores (45%), de acordo com a CNC.

Para a economista da entidade, o melhor caminho para aprender a lidar com as contas sem passar por traumas é o planejamento. Ela diz que é um erro comum o consumidor não pensar no tempo de vigência da conta. “É essencial saber se, durante as parcelas, sua renda mensal pode ser alterada”, explica.

Segundo a pesquisa da Fecomércio, em 2017 44,8% dos endividados estavam com o orçamento comprometido por apenas três meses. Enquanto 44,1% comprometeram sua renda por mais de um ano.

Além de levar em consideração o tempo de endividamento, especialistas ouvidos pela reportagem concordam sobre a necessidade de ter uma reserva de emergência. Essa é uma das estratégias de Leonardo Lauerti, 26.

O publicitário segue à risca a cartilha de qualquer planejador financeiro: paga as parcelas do financiamento do próprio carro, aluguel e a fatura do cartão de crédito, mas garante que nunca atrasou as contas.

Para isso, planeja as despesas com uma planilha no computador, colocando um limite de valor nos gastos mensais. Dentro desses números, deixa 15% como reserva, caso ultrapasse o valor estipulado. “Meus pais sempre trabalharam com vendas e, por isso, soube de muitas pessoas que usavam o dinheiro de forma impulsiva”, conta.

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Enquanto Lauerti terminou as contas no azul em abril, a auxiliar de produção Elidiane Rosa, que teve um 2017 positivo, teve de pagar a fatura do cartão de crédito com atraso em abril. “Ter que atrasar o pagamento e se preocupar com juros é muito ruim. Espero ser passageiro”, diz.

A Fecomércio também afirma que esse consumo menor e endividamento serão passageiros, a depender dos dados da CNC sobre Intenção de Consumo das Famílias. Eles indicam uma recuperação gradual a partir do segundo semestre do ano passado: o Paraná marcou 95,5 pontos — 77,8 foi a média nacional. A escala é de 0 a 200, sendo 100 um número mínimo ideal.

O que fazer quando se está endividado

1. Quite as dívidas diretamente com os credores — financeiras, bancos, cartões, lojas e fornecedores —, sem ajuda de empresas especializadas.

2. Nunca recorra ao agiota para pagar uma dívida. Isso faz com que você assuma outra de valor maior.

3. Procure substituir dívidas com juros maiores, por financiamentos com juros menores, por exemplo, evite a utilização do limite do cheque especial ou o pagamento do mínimo no cartão de crédito, optando por empréstimo consignado, pois os juros são mais baixos.

4. Negocie prazos maiores para pagamento, em parcelas menores ou abatimento substancial para a liquidação da dívida à vista.

5. Ao ser cobrado por empresa especializada de serviços de cobrança, pague, além do principal, apenas os juros previstos em contrato. As demais despesas são de responsabilidade da empresa credora.

6. Exija, por escrito, tudo que foi combinado verbalmente.

7. Exija e guarde sempre os comprovantes de pagamentos efetuados.

8. Se o débito for decorrente de crediário ou cheque sem fundo e estiver em cartório, basta pagar o valor impresso na intimação.

9. Após a realização do acordo ou do pagamento do débito, seu nome deverá ser retirado de cadastros de inadimplentes no prazo de 48 horas contados da comprovação do pagamento, de acordo com a Lei Estadual 15967/08.

Fonte: Procon-PR e Guia Serasa de Orientação ao Cidadão

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