Uma reforma do sistema tributário com pretensões estruturais exigirá anos de discussão no Congresso e um maior amadurecimento do tema por parte dos Estados e municípios. Ou seja, não é algo para já, segundo defende a ex-secretária da Fazenda do Estado de Goiás e sócia da área de Finanças, Risco e Políticas Públicas da consultoria em gestão Oliver Wyman, Ana Carla Abrão.

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“Se quisermos reformar o sistema tributário de forma estrutural, não há como imaginar que essa será uma reforma aprovada rapidamente”, diz. Há conflitos federativos envolvidos na questão e a construção de uma maioria qualificada em torno de um tema tão complexo levará tempo, continua Ana Carla.

De acordo com a economista, se os governantes quiserem aprovar rapidamente uma reforma tributária, ela será pequena e de menor impacto. Leia os principais trechos da entrevista.

Das propostas de reforma tributária colocadas para análise, qual te agrada mais?

A proposta que enfrenta as questões tributárias de forma clara e definitiva é a que o economista Bernard Appy vem construindo há anos e que é a base do projeto do deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

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Por quê?

Ao unificar tributos e simplificar o sistema tributário, em particular acabando com o ICMS, essa reforma elimina focos de ineficiência que vêm minando a economia brasileira há décadas. A complexidade tributária, aliada à guerra fiscal nos Estados e à consequente distorção alocativa, tem gerado um enorme custo ao País. Precisamos avançar nessa reforma, que exige tempo e profundidade de discussão.

Essa reforma será demorada?

Se quisermos reformar o sistema tributário de forma estrutural, não há como imaginar que essa será uma reforma aprovada rapidamente. Há conflitos federativos envolvidos e a construção de maioria qualificada em um tema tão complexo levará tempo. Se quisermos aprovar rapidamente uma reforma tributária, ela será pequena e de menor impacto. Uma reforma estrutural exigirá alguns anos de discussão no Congresso e um maior amadurecimento do tema por parte dos Estados e municípios. Só ajustes pontuais não são suficientes para devolver eficiência à economia brasileira. Os custos do sistema atual são muito elevados. Melhor será uma reforma mais profunda, mesmo que leve mais tempo para ser aprovada.

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Uma reforma em partes, começando pela simplificação do ICMS e do PIS/Cofins, não seria mais fácil de ser aprovada?

A questão do ICMS é talvez a parte mais complexa e sensível da reforma. São 27 legislações distintas, interesses conflitantes entre Estados e um pleito de compensação de perdas que nunca chega a um consenso. A parte do PIS/Cofins é, sim, mais simples. Essa última seria um avanço, mas está muito longe de ser a reforma necessária. Além disso, há a parte relativa ao Imposto de Renda, que também precisa ser reformado para que possamos reduzir as assimetrias e distorções que existem hoje, como a ‘pejotização’ e na tributação de instrumentos financeiros.

Como vê a proposta para a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços para coexistir durante uma transição de dois anos com impostos já existentes?

A ideia da fase de transição é genial. Usa o mesmo conceito da URV (Unidade Real de Valor) do Plano Real. A coexistência dos impostos e a substituição gradual pelo IBS torna a transição mais suave e permite que empresas e consumidores se ajustem às novas regras sem grandes rupturas.

Pode se considerar um avanço o País estar discutindo Imposto sobre Valor Agregado e tributação no destino?

Certamente. O debate das questões tributárias em si já é um avanço. Mais ainda é estarmos discutindo a sério uma reforma com esse nível de complexidade e importância. A esquizofrenia do nosso atual sistema precisa ser combatida. Ela custa muito ao País e a simplificação e correção de distorções terão impacto generalizado na economia brasileira.

O pacto federativo é algo para ser abordado na reforma ou pode ser visto depois?

A questão do pacto federativo é um assunto em si. Ela vai muito além da questão tributária e merece ser precedida de uma discussão mais profunda das fontes de desequilíbrio dos Estados. Esse debate ainda está envolto em desinformação, além de desfocado das causas e soluções reais.

Por quê?

Temo que a inversão da pauta, com o pacto federativo sendo discutido anteriormente às ações de consolidação fiscal dos Estados, possa trazer ainda mais ruído às questões estaduais e adiar mais o necessário ajuste estrutural desses entes. Isso significará um aprofundamento ainda maior na gravidade da crise pela qual estamos passando agora.

O PIB cresceu 0,4% no 2.º trimestre e afastou o fantasma da recessão técnica. A indústria, que contribuiu para esse crescimento, caiu 0,3% em julho. Podemos ter um PIB negativo no 3.º trimestre?

A recuperação consistente e sustentável da economia depende, fundamentalmente, de reformas estruturais que ainda estão por vir. Precisamos aumentar a produtividade da economia brasileira e isso passa por reformas microeconômicas que ainda não avançaram. Passa pela melhora no ambiente de negócios e marcos regulatórios que atraiam investimento privado para infraestrutura.

O BC deve continuar cortando os juros? Qual sua projeção de Selic para o fim do ano?

Sim, acredito que haja amplo espaço para estímulos monetários. Seus efeitos são diretos e indiretos via mercado de crédito. Acredito que veremos a Selic chegar a 5% no fim deste ano.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.