Mudanças no sistema tiram o sono do turista

Rio

  – Não bastasse o pesadelo dos viajantes que vêem suas operadoras de turismo falirem quando já estavam com o sonho das férias totalmente pago, agora o consumidor desse mercado tem mais dois motivos para perder o sono: um novo seguro a ser cobrado pelas agências e um projeto de lei que pode fazer a vítima de uma falência ter como ressarcimento apenas o valor da comissão da agência, e não o preço total do pacote pago.

O seguro opcional, que a associação das empresas negocia, permite à operadora ressarcir o cliente em casos de imprevistos mas exclui os casos mais temidos: as quebras de operadoras.

Já o projeto de lei que tramita no Senado propõe que as agências indenizem o passageiro com, no máximo, o valor que receberam de comissão pela venda do produto. Ou seja, se uma pessoa pagou R$ 2 mil por uma passagem aérea e a agência recebeu 9% de comissão da companhia, em caso de problemas com o vôo, o consumidor receberá apenas R$ 180 de indenização.

Para evitar pesadelos e estresse em época de férias, os procons e a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) recomendam precauções um pouco trabalhosas.

– Antes de comprar um pacote, orientamos o consumidor a procurar referências da empresa; consultar o banco de dados do Procon; verificar se a operadora é cadastrada na Embratur e em associações de classe; além de pedir documentos discriminando todos os serviços incluídos no pacote – explica a técnica de defesa e proteção do Consumidor do Procon-SP, Cláudia Ogata.

No entanto, a primeira constatação de quem ficou sem férias é que, mesmo se precavendo, não há garantias sobre a idoneidade da empresa contratada, tampouco de que o cliente leve o que pagou.

A mais de 30 clientes da Stella Barros, que pediu falência no último dia 13, e aos sete mil da Soletur, que quebrou em outubro de 2001, só restou desfazer as malas e planos e recorrer à Justiça.

Quando pediu falência, a Soletur era uma das maiores empresas do país e, mesmo assim, deixou sete mil passageiros no chão, pois vendera pacotes até a véspera de seu fechamento. Na época, outras grandes operadoras turísticas encaixaram passageiros da Soletur em lugares disponíveis em fretamentos próprios. O mercado se mobilizou para minimizar o impacto do fechamento da empresa na credibilidade do setor.

No caso da Stella Barros, a opção oferecida por outras operadoras em atividade aos pouco mais de 30 passageiros lesados é que eles paguem de novo por um programa similar ao comprado da empresa falida, agora a preço de custo.

– O problema da falência é que não há realmente como prevê-la – diz Cláudia Ogata.

Com a lembrança do caso Transbrasil ainda fresca na memória, o consumidor parece estar tentando reduzir seus riscos. Nos últimos meses, por exemplo, houve uma corrida de associados ao Smiles, programa de passageiros freqüentes da Varig, para trocar milhagens já acumuladas por passagens aéreas.

A Abav negociou com o Unibanco/AIG a criação de um seguro de responsabilidade civil que pode ser contratado pelas empresas filiadas. A agência segurada passa a ressarcir seus clientes caso os serviços contratados não funcionem devidamente. Além de contar com cobertura para custos advocatícios com processos movidos por usuários. O seguro é opcional mas o principal problema persiste, pois não cobre falência.

– Para cobrir falências, o valor do prêmio seria muito alto, onerando o preço dos serviços das agências. Mas já é um passo à frente – justifica o presidente da Abav, Tasso Gadzanis.

De acordo com o Procon, independentemente de contar com o seguro, a responsabilidade de solidariedade da agência está prevista no Artigo 20 do Código do Consumidor. Isto é: franquia, franqueado e agência têm o dever de atender o consumidor, mesmo em casos de falência.

Mas isso pode mudar. O projeto de lei 5.251/01, de autoria do deputado Alex Canziani (PTB-PR), propõe a redução da responsabilidade das empresas na hora de ressarcir passageiros.

– As agências de viagens são, em sua maioria, pequenas e não têm como arcar com ressarcimentos referentes a problemas de seus fornecedores – defende o relator do projeto, deputado Ronaldo Vasconcellos (PTB-MG).

Para a técnica do Procon-SP, a aprovação do projeto de lei seria um retrocesso.

– A agência está vendendo um produto. Mesmo em se tratando de prestação de serviço, é preciso cumprir o acertado. É reconhecido pela lei que o consumidor é a parte vulnerável do negócio. A empresa pode ressarcir o consumidor e entrar com uma ação de regresso para ser indenizada por seu fornecedor – diz Cláudia.

Brasileiro está viajando mais

A falência de grandes operadoras, como a Soletur e a Stella Barros, e a crise na aviação civil nacional acontecem num momento de expansão do mercado turístico doméstico. O número de brasileiros viajando pelo país subiu de 38,2 milhões, em 1998, para 41 milhões, em 2001, segundo a Embratur. Mas, para empresários do setor, a situação não é tão paradoxal quanto parece:

– O mercado mudou. Quem estava com o foco errado não agüentou – disse o presidente da Associação Brasileira de Agência de Viagens, Tasso Gadzanis.

Seria o caso da Soletur e da Stella Barros, que tinham atividades voltadas para o mercado internacional, principalmente para os EUA.

De acordo com a Abav, em 1995, 70% dos brasileiros que viajaram foram para o exterior. Até que, em 2001, o quadro se inverteu, e 70% dos viajantes ficaram no país.

No caso das companhias aéreas, haveria um excesso de oferta.

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