O Ministério Público Federal (MPF) recebeu denúncia sobre irregularidades envolvendo liberações alfandegárias pela Receita Federal, sem a realização de licitação. O órgão teria permitido, sem concorrência, a instalação de entrepostos comerciais fora de zonas portuárias tradicionais, os chamados “portos secos”, usados para movimentar e armazenar carga importada ou destinada à exportação.

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A liberação ocorreu durante a tramitação da Medida Provisória 612/2013, que caducou no Congresso sem aprovação dos parlamentares. A Receita autorizou a criação de 45 Centros Logísticos e Intermodais Aduaneiros (CLIAS), como estão sendo chamados agora esses postos aduaneiros. A irregularidade pode resultar na abertura de um Processo Civil Público. A denúncia foi apresentada ao MPF pelo líder do DEM na Câmara, deputado federal Mendonça Filho. Ele alega que a Receita teria aproveitado o “vácuo legal” da tramitação da MP 612 para pular a fase de licitações.

A Receita rebate a acusação, alegando que as regras para obter as autorizações sem licitação foram definidas pela Portaria RFB nº 711, de 6 de junho de 2013, na qual há competição para que mais de um interessado em porto seco na mesma região dispute a licença.

A Receita defende, em nota enviada ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, a substituição da licitação por um “modelo de outorga de autorização” como meio de acelerar investimentos privados. Segundo o órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, o modelo atual de licitação está “em profunda crise” e dificulta a ampliação do serviço de movimentação e armazenagem de mercadoria. “Esse modelo, baseado em concessões e permissões de serviço público, não se coaduna com a natureza própria daquelas atividades, que demanda rápidas modificações na capacidade operacional dos recintos e também requerem mudanças locacionais para atender a demanda, requisitos esses que são incompatíveis com o atual modelo jurídico”, diz.

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Processo

As liberações teriam ocorrido por orientação do assessor especial da subsecretaria de aduana da Receita Federal, Ronaldo Lázaro Medina, conforme apurou o Broadcast. Medina foi secretário da Fazenda do Distrito Federal, durante a gestão do ex-governador José Roberto Arruda, cassado em 2010 por envolvimento no mensalão do DEM.

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Ele foi arrolado em processo do Ministério Público Federal (MPF), em 2003, com mais dez pessoas, por ter modificado uma norma técnica que facilitava a importação de máquinas caça-níqueis. Medina teria alterado, segundo o MPF, a Solução de Consulta COANA nº 9 da Receita, em dezembro de 2002, quando chefiava um núcleo de auditores fiscais, para facilitar a entrada de 3.600 máquinas de jogos de azar como computadores.

A manobra levou o assessor da Receita a ter seu nome citado na CPI dos Bingos, de 2006, como um dos articuladores do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que seria alvo de outra CPI em 2012. Na época de sua nomeação pela Receita, em 2011, Medina negou qualquer envolvimento e disse que o processo do MPF era “um erro”. No mesmo ano da nomeação, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) apontou Medina como um dos responsáveis por contratar a Linknet Tecnologia e Telecomunicações sem licitação nem contrato formal, o que teria gerado um prejuízo de R$ 29 milhões ao governo distrital.

Procurado pelo Broadcast por meio da assessoria da Receita, Medina não respondeu a questionamento enviado por e-mail e não quis dar entrevista. A Receita apenas registrou que as autorizações sem licitação constam no “rito disciplinado” da portaria de 2013, “independendo da interveniência de qualquer servidor em específico”.

Denúncia

O MPF protocolou denúncia e vai avaliar a abertura do processo sobre a tramitação da MP 612. De acordo com a Receita, durante a tramitação da medida provisória foram emitidos 45 pedidos de instalação de novos CLIAS e 37 pedidos de conversão de portos secos que já operam sob o regime de concessão/permissão – sendo que 20 foram autorizados, 13 não foram analisados antes de a MP caducar e quatro foram recusados.

Embora todos esses entrepostos estejam em um “limbo jurídico” (eventuais investimentos com base nessas autorizações estão ameaçados caso a Receita seja condenada a anulá-las), o órgão federal informa que protocolou consulta na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sobre o tratamento a ser dado aos pedidos que não tiveram sua análise concluída durante a tramitação da MP 612.

O Senado rejeitou, em 2006, uma medida provisória semelhante à 612. O texto suspendia o marco legal dos portos secos definido na Lei 9.074/1995. A Receita reconhece que o tema é um impasse jurídico desde então. “Há diversas demandas judiciais visando determinar que a Receita Federal dê prosseguimento à análise dos pedidos formulados na vigência da medida provisória (320). Na ocasião, houve decisões nesse sentido favoráveis aos interessados (beneficiados com a suspensão de licitações)”, disse.

Mendonça Filho avalia que, caso o MPF comprove irregularidade no comportamento da Receita durante a apreciação da MP 612 e da MP 320 pelo Congresso, os portos secos concedidos nesse período podem ser anulados pela Justiça. “Pedi apuração e a anulação dessas autorizações”, diz Mendonça Filho.