Messier conta a história da Vivendi

Paris

(AG) – Falta de ambição não é, certamente, um dos defeitos do executivo francês Jean-Marie Messier. Em menos de cinco anos, ele transformou uma ex-estatal de águas, a Compagnie Générale des Eaux (CGE), em matriz controladora do poderoso conglomerado Vivendi Universal. Trata-se do segundo grupo mundial de entretenimento, número um dos discos e filmes pela gravadora e pelo estúdio Universal, líder de TV por assinatura na Europa (Canal Plus) e Estados Unidos (USA Networks), primeiro grupo editorial da França, segundo de telefonia e muitos outros negócios espalhados pelo planeta, envolvendo até mesmo distribuição de água e energia, atividade de origem do grupo.

Pois no último dia 1.º de julho, Messier foi deposto pelos acionistas do grupo que ele começou a criar em 1997, ao fazer com que a CGE engolisse primeiro o grupo editorial Havas, depois o de telefonia Cegetel e, em 2000, já com o nome Vivendi, fincasse os pés na TV e em Hollywood ao fundir-se com o Canal Plus e com a canadense Seagram, dona da Universal.

Motivos não faltavam aos acionistas para expulsar o executivo: em março o grupo Vivendi Universal anunciava um prejuízo de 13,6 bilhões de euros, o maior já registrado por uma empresa francesa em todos os tempos, e um endividamento de 34 bilhões de euros. Em junho, uma ação que valia 150 euros em 2000 não era negociada na Bolsa de Paris por mais de 16,10.

De grande herói do capitalismo francês, Messier virou o vilão responsável pelo maior desastre econômico do país. Um escândalo que vem sendo comparado pela imprensa francesa ao caso Enron nos Estados Unidos. De desbravador, virou megalomaníaco.

– Fiz um pouco demais, rápido demais – reconheceu o executivo na única entrevista que deu antes de fechar-se com a família no apartamento de 500 metros quadrados na Park Avenue de Nova York, uma das jóias que recebeu no rompimento do contrato.

Desde o início do processo, contudo, Messier foi figura polêmica, mantendo uma relação de amor e ódio com a opinião pública francesa. De amor, quando, a partir de uma empresa que vivia dos favores do Estado, criou um grupo moderno, que levou a bandeira gaulesa até Hollywood.

E de ódio, quando, do alto de seu escritório em Nova York, disse em entrevista que “a exceção cultural francesa estava morta”. Mesmo sabendo que na França todos cultuam a tal “exceção cultural”, que permite medidas governamentais impensáveis em qualquer outro país capitalista, como a proibição à TV aberta de passar filmes aos sábados (para que as pessoas não deixem de ir ao cinema) ou que a TV (sobretudo o Canal Plus) seja obrigada a financiar o cinema francês com parte de seus lucros.

Messier não saía dos programas de televisão, não parava de dar entrevistas o que, se por um lado tornou-o o mais popular dos empresários, por outro fez com que ele se expusesse mais que o normal.

– Cometi alguns erros -confidenciou Messier, antes de ser demitido, à revista “Le Point” – Primeiro em relação à mídia. Eu fiz demais. O segundo, “a morte da exceção cultural francesa”. Foi uma frase excessiva, embora, se ela tivesse sido citada integralmente, saberiam que eu estava falando que o objetivo do nosso grupo era ganhar dinheiro graças à diversidade cultural, e não à exceção cultural. Mas foi um erro. Depois, o fato de eu ter aparecido muito em Nova York talvez tenha dado a impressão de que eu não gostava da França.

Messier fala aí, evidentemente, de sua imagem pública, marcada por fotos publicadas em revistas de fofoca patinando no gelo em Nova York; ou de encontros com intelectuais, como Phillipe Sollers, e ativistas políticos, como José Bové. Os analistas econômicos, contudo, falam de seus erros estratégicos. Um deles foi agir em duas frentes no período em que esteve à frente da empresa na sede de Nova York, fazendo o jogo dos investidores americanos por um lado, e, por outro, posando de defensor dos valores franceses.

“Do casamento de duas culturas, Messier pegou os aspectos mais contestáveis de ambas”, escreveram no “Le Monde” os analistas econômicos Laurent Mauduit e Martine Orange. Segundo os autores, do capitalismo americano, ele aprendeu a entrar “na corrida louca das stock options (opções de compra de ações), da bolsa e da economia-cassino” e, da França, caiu no velho vício dos favores do Estado e de “procedimentos jurídicos e contábeis opacos”.

Outro fracasso apontado pelos analistas foi do próprio projeto empresarial de Messier, que era juntar conteúdo (imagem, som, texto, etc.) e meios de comunicação, como cinema, TV, telefonia, etc. “A sinergia miraculosa nunca aconteceu entre as partes do grupo”, dizem os analistas.

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